segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

CHUMBO TROCADO NÃO É BULLYING



CHUMBO TROCADO NÃO É BULLYING

Por Maurino Prim
O fulano me xingou!
Isso é bullying!
Volta e meia ouço essa fala de alunos que vem buscar aparo diante do que julgam ser um ato de bullying. Ao ouvir a narrativa da vítima percebo que há um ato perturbador do reclamante que gerou uma reação em forma de ofensa verbal. Nesse caso específico não se caracteriza o bullying. É chumbo trocado. Ambos infringiram os limites da boa convivência.
        
O fenômeno do bullying se caracteriza por comportamentos agressivos praticados intencional e repetidamente com o intuito de maltratar, intimidar e humilhar as vítimas de forma verbal, física, psicológica, sexual e virtual contra pessoas fragilizadas que não conseguem se defender das agressões sofridas. (Grifo nosso)                  
A partir do conceito acima fica explícito que para ser bullying faz-se necessária a existência de duas condições básicas:  
1) O ato ser intencional e repetitivo;
2) Ser praticado contra pessoas fragilizadas que não conseguem se defender das agressões sofridas.
Na ausência dessas duas condições, principalmente da intencionalidade e da repetição, não se tipifica o bullying, porém, temos um conflito que se enquadra em comportamentos agressivos, causadores de danos e violências que precisam de mediação quando as partes não conseguirem se auto ajustar.
Os conflitos nascem da convivência e interações que estabelecemos com os outros. Faz-se necessário aprender a lidar com eles e resolve-los. Compreender essa peculiaridade da nossa natureza humana nos ajuda a dar um encaminhamento assertivo aos estímulos perturbadores advindos dos relacionamentos. A regra de ouro deve ser a seguinte: devemos reagir a tudo aquilo que nos perturba. Porém essa reação não deve ser pelo revide. Devemos agir para restabelecer o equilíbrio e o respeito ferido. Sempre que esse ajuste não for possível ser feito diretamente com o oponente deve-se pedir ajuda para um mediador.   
Toda e qualquer violência deve ser eliminada. O respeito é o referencial balizador na forma de tratar o próximo. Para construir um mundo de paz precisamos colocar em pratica o princípio da alteridade, que consiste em conceber e tratar o outro como um outro eu. Dizendo de outra forma: não faça para os outros aquilo que não queres que façam contigo. 

ESCRAVIDÃO VIRTUAL



ESCRAVIDÃO VIRTUAL

Por Maurino Prim

            Quando se fala em escravidão vem logo à mente a modalidade de servilismo praticado no Brasil até o início do século XIX. Esse tipo de escravidão tinha como característica o cerceamento da liberdade física da pessoa. O corpo era aprisionado e transformado em fonte de energia na produção de mercadorias e serviços. A agente escravizador era uma outra pessoa, que era o dono e o detentor do direito de usufruir da força produtiva do escravo. Com a abolição romperam-se as correntes que prendiam o corpo e, enfim, surgiu a liberdade.

             Porém, no decorrer da história, surgiram outras modalidades de escravidão, tendo como característica a exploração do homem pelo homem numa relação injusta com a apropriação indébita do trabalho do empregado pelo patrão. Nesse tipo de escravidão o corpo fica livre, porém, a força de trabalho está aprisionada a um explorador.

            Com o advento da tecnologia da informação, os computadores, a internet, as mídias sociais, os sites de relacionamentos, os games e tudo que se relaciona ao mundo virtual, surge uma nova modalidade de escravidão. Não é mais o corpo que fica preso, nem a força de trabalho. O aprisionamento se dá no cérebro. É a mente que fica subordinada aos encantos dos efeitos midiáticos proporcionados pelo mundo virtual. As pessoas perdem a capacidade de existirem livres, sem estarem conectadas com algum artefato virtual.  Nessa modalidade de escravidão a pessoa tolhe e limita a liberdade a partir de si mesma. Ao contrário dos outros tipos de servilismo, onde alguém externo é o agente cerceador da liberdade, aqui temos a aceitação autônoma, uma vez que a pessoa deixa de ser livre por vontade própria.

            Esse fenômeno percebe-se no cotidiano, onde muitas pessoas não conseguem se sentir bem sem estarem com um aparelho eletrônico nas mãos, mesmo que não esteja em uso. Outra cena comum nos encontros sociais em restaurantes e roda de amigos é ver as pessoas fisicamente próximas, mas conectadas virtualmente com alguém que está distante ou ocupadas com alguma base de entretenimento eletrônica.

            As consequências maléficas dessa dependência tecnológica ocorrem nas dificuldades ou inabilidades sociais e cognitivas. A necessidade de conviver, crucial para a nossa sobrevivência, é algo que precisa ser aprendido. Essa aprendizagem é essencialmente prática e ocorre nas múltiplas experiências que fazemos no laboratório da vida no relacionamento com os outros. Quando nos confinamos em uma plataforma virtual, deixamos de aprender a viver na sua dimensão real.  No aspecto cognitiva ocorrem prejuízos como a diminuição da criatividade, imaginação, raciocínio e atenção. Esses danos afetam a qualidade da aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades para o exercício de uma excelência pessoal e profissional.

            Não se trata de querer conspirar contra as descobertas e as conquistas tecnológicas que a humanidade foi capaz de produzir e inventar. Trata-se de um alerta para evitar o uso abusivo que leve a desenvolver uma “dependência tecnológica” ou a maximizar os efeitos nocivos ao desenvolvimento de nossas potencialidades cognitivas e sociais. Trata-se de saber usar a tecnologia da informação para os fins necessários e não se deixar viciar e nos transformar em reféns de um escravismo virtual. A liberdade plena ocorre quando o corpo, a mente e o espírito não se sentem aprisionados a nenhum tipo de contingenciamento, exceto os advindos da Lei.