ESCRAVIDÃO VIRTUAL
Por Maurino Prim
Quando se fala em escravidão vem
logo à mente a modalidade de servilismo praticado no Brasil até o início do
século XIX. Esse tipo de escravidão tinha como característica o cerceamento da
liberdade física da pessoa. O corpo era aprisionado e transformado em fonte de
energia na produção de mercadorias e serviços. A agente escravizador era uma
outra pessoa, que era o dono e o detentor do direito de usufruir da força
produtiva do escravo. Com a abolição romperam-se as correntes que prendiam o
corpo e, enfim, surgiu a liberdade.
Porém, no decorrer da história,
surgiram outras modalidades de escravidão, tendo como característica a
exploração do homem pelo homem numa relação injusta com a apropriação indébita
do trabalho do empregado pelo patrão. Nesse tipo de escravidão o corpo fica
livre, porém, a força de trabalho está aprisionada a um explorador.
Com o advento da tecnologia da
informação, os computadores, a internet, as mídias sociais, os sites de
relacionamentos, os games e tudo que se relaciona ao mundo virtual, surge uma
nova modalidade de escravidão. Não é mais o corpo que fica preso, nem a força
de trabalho. O aprisionamento se dá no cérebro. É a mente que fica subordinada
aos encantos dos efeitos midiáticos proporcionados pelo mundo virtual. As
pessoas perdem a capacidade de existirem livres, sem estarem conectadas com
algum artefato virtual. Nessa modalidade
de escravidão a pessoa tolhe e limita a liberdade a partir de si mesma. Ao
contrário dos outros tipos de servilismo, onde alguém externo é o agente
cerceador da liberdade, aqui temos a aceitação autônoma, uma vez que a pessoa
deixa de ser livre por vontade própria.
Esse fenômeno percebe-se no
cotidiano, onde muitas pessoas não conseguem se sentir bem sem estarem com um
aparelho eletrônico nas mãos, mesmo que não esteja em uso. Outra cena comum nos
encontros sociais em restaurantes e roda de amigos é ver as pessoas fisicamente
próximas, mas conectadas virtualmente com alguém que está distante ou ocupadas
com alguma base de entretenimento eletrônica.
As consequências maléficas dessa
dependência tecnológica ocorrem nas dificuldades ou inabilidades sociais e
cognitivas. A necessidade de conviver, crucial para a nossa sobrevivência, é
algo que precisa ser aprendido. Essa aprendizagem é essencialmente prática e
ocorre nas múltiplas experiências que fazemos no laboratório da vida no
relacionamento com os outros. Quando nos confinamos em uma plataforma virtual,
deixamos de aprender a viver na sua dimensão real. No aspecto cognitiva ocorrem prejuízos como a
diminuição da criatividade, imaginação, raciocínio e concentração. Esses danos
afetam a qualidade da aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades para o
exercício de uma excelência profissional.
Não se trata de querer conspirar
contra as descobertas e as conquistas tecnológicas que a humanidade foi capaz
de produzir e inventar. Trata-se de um alerta para evitar o uso abusivo que
leve a desenvolver uma “dependência tecnológica” ou a maximizar os efeitos
nocivos ao desenvolvimento de nossas potencialidades cognitivas e sociais.
Trata-se de saber usar a tecnologia da informação para os fins necessários e
não se deixar viciar e nos transformar em reféns de um escravismo virtual. A
liberdade plena ocorre quando o corpo, a mente e o espírito não se sentem
aprisionados a nenhum tipo de contingenciamento, exceto os advindos da Lei.
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