quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

INDISCIPLINA - Uma Oportunidade Privilegiada para Educar

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INDISCIPLINA – Uma Oportunidade Privilegiada para Educar
Professor Maurino Prim

ÍNDICE
1. PREFÁCIO.............................................................................................................
2. APRESENTAÇÃO..................................................................................................
3. INTRODUÇÃO...................................................................................................

4. FATORES CONTRIBUINTES DA EDUCAÇÃO – (IN) DISCIPLINA....................

4.1 HISTÓRICOS.........................................................................................................

4.2 ESTRUTURA FAMILIAR....................................................................................

4.3 INFLUÊNCIA DOIS MEIOS DE COMUNICAÇÃO........................................

4.4 COMUNIDADE....................................................................................................

4.5 NATUREZA HUMANA....................................................................................

5. FATORES CONTRIBUINTES DA INDISCIPLINA GERADOS NA ESCOLA...

5.1 INSTALAÇÕES FÍSICAS................................................................................

5.2 METODOLOGIAS EDUCACIONAIS INADEQUADAS.......................................

5.3 (IN) HABILIDADE DOS EDUCADORES...............................................................

6. QUEM EDUCA NOSSAS CRIANÇAS? ......................................

6.1 PESSOAS.................................................................................................

6.2 INSTITUIÇÕES.............................................................................

6.3 INSTRUMENTOS E OBJETOS...........................................................................

7. DIFICULDADES NATURAIS DAS CRIANÇAS.............................................

7.1 ATRIBUTO DA RESPONSABILIDADE......................................................

7.2 ASPECTOS RELACIONAIS...................................................................................

7.3 ASPECTOS EMOCIONAIS....................................................................................

8. ESTILOS DE PRÁTICAS EDUCACIONAIS.....................................................

8.1 AUTORITÁRIOS..........................................................................................

8.2 PERMISSIVOS........................................................................................

8.3 DEMOCRÁTICOS.....................................................................................

9. PÉROLAS PARA UMA CONVIVÊNCIA SADIA..............................................

9.1 AÇÕES INTEGRADAS..........................................................................

9.2 RESPEITAR PARA SER RESPEITADO........................................................

9.3 USO DO DIÁLOGO................................................................................................

9.4 SER JUSTO..............................................................................................

9.5 SER FIRME, JAMAIS GROSSEIRO............................................................

9.6 SER TOLERANTE, PORÉM CONSEQÜENTE....................................

9.7 SER PERSEVERANTE..........................................................................

9.8 NÃO IMPOR, MAS COMPOR................................................................................

9.9 SER AFETIVO E AMAR........................................................................................

10. CONCLUSÃO........................................................................................................

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................

12. APÊNDICES...............................................................................................


1. PREFÁCIO
2. APRESENTAÇÃO
Prezados Educadores
Quão nobre é a missão de educar. Estimular e despertar a humanidade que há em cada pessoa. Desde a infância, dia-a-dia acompanhar os passos das crianças e testemunhar a sua transformação em um ser humano. Assim, vão-se as palavras que brotam da alma dos educadores quando sonham.
No cotidiano da escola ou no lar, quantos conflitos! Quantos atritos, incompreensões e prantos contidos. Quão árduo e difícil é o trabalho de educar. Dias e dias de cansaço, desgaste emocional e a sensação de não receber a necessária recompensa. Assim, expressam-se os educadores quando não estão a sonhar.
Será que existe um ponto de equilíbrio entre o sonho e a realidade? Uma possibilidade de convivência mais harmoniosa entre educadores e educandos? Mostrar que os âmbitos educacionais – escola e família – podem ser conduzidos por vias em que os interlocutores conseguem manter um relacionamento mais equilibrado, respeitoso e agradável é uma das pretensões deste livro. É uma leitura indicada para pais, professores, pedagogos, psicólogos e outros agentes que lidam com a educação de jovens e adolescentes.
A escola pode ser um espaço em que as pessoas entram sorrindo e saem felizes. Isto não é um sonho. É uma possibilidade real e pode ser conquistada. Só depende de você! Não espere! Comece agora a transformar a sua vida! Este livro mostra um caminho pelo qual é possível aproximar o sonho da realidade.
A abordagem feita a respeito do tema da indisciplina, nesta obra, segue uma linha que estabelece uma relação entre a teoria e a prática. Percebe-se, freqüentemente, que há educadores com um conhecimento teórico muito grande, porém, não conseguem bons resultados na prática. Em outros, às vezes, carece uma fundamentação teórica, mas têm um bom desempenho prático. Atrás de toda prática há uma teoria. Mesmo quando não temos consciência da teoria que fundamenta a nossa prática, ela está presente. O educador sem uma práxis bem estruturada e definida tende a navegar ao sabor das circunstâncias e tem dificuldades de manter a direção de suas ações nos momentos de tensão.
Os aspectos práticos aqui apresentados fazem parte de uma experiência colhida em atividades educativas nos mais variados âmbitos – família e escola - ao longo de uma caminhada de mais de duas décadas. Indisciplina – Uma oportunidade privilegiada para educar - esta é a síntese das descobertas feitas ao longo desses anos, que, de forma singela e solidária o autor quer partilhar com todas as pessoas que exercem a nobre e desafiante missão de educar.
Professor Maurino Prim
3. INTRODUÇÃO
A presente reflexão tem por finalidade abordar a indisciplina no espaço escolar e familiar, assim como, também, pretende lançar luz para uma compreensão mais ampla a respeito das causas que originam os conflitos inter-pessoais entre educandos e educadores. (Pais X Filhos e Professores X Alunos) O cotidiano escolar e familiar é, constantemente, permeado por desafios que afetam a interação entre os diversos sujeitos que os constituem: professores, alunos, funcionários, equipe diretiva, mantenedora, família, comunidade, pais mães, irmãos, tios, primos, avós, etc.
A convivência, por via de regra, é a fonte primeira dos nossos conflitos relacionais. Perturbamo-nos mutuamente. Por outro lado, somos compelidos a um determinismo social que nos obriga a conviver, já que o homem não consegue viver isolado. Assim, percebe-se uma grande dificuldade por parte dos responsáveis pela educação de crianças e jovens (família e escola) em desempenhar os seus papéis de forma eficaz para conseguir minimizar os atos de indisciplina ou administrar os conflitos e os atritos inter-pessoais.
Filhos não obedecem aos pais e alunos perturbam as aulas. Eis uma realidade que vem dificultando bastante a convivência entre pais e filhos; entre professores e alunos, deixando um rastro de mal-humor e conflitos homéricos.
Quais as causas dos comportamentos tão desajustados dos jovens e adolescentes?
Quais as conseqüências que poderão advir em decorrência de uma relação desregrada entre jovens e adultos?
Quais as estratégias possíveis de serem adotadas a fim de conseguir uma convivência harmoniosa na família e na escola?
Estas questões precisam ser enfrentadas com vontade e determinação a fim de que possam ser compreendidas e resolvidas através de uma metodologia adequada. Nesta direção nos apontam as Ciências da Educação, que, no fragmento abaixo, sinaliza com singular clareza esta problemática:
"É certo, pois, que a temática disciplinar passou a se configurar enquanto um problema interdisciplinar, transversal à Pedagogia, devendo ser tratado pelo maior número de áreas em torno das Ciências da Educação". (AQUINO, 1996)
Partimos do pressuposto de que a indisciplina é algo inerente à natureza humana e possui uma causalidade peculiar. Como tal, precisa ser compreendida e trabalhada de forma transversal por todas as especialidades que constituem os “saberes” da Escola. (AQUINO, 1996) Nesse sentido a indisciplina passa a ocupar um espaço nos afazeres de todos os agentes envolvidos com a educação. Não é uma tarefa que deve ser resolvida por apenas uma pessoa ou por um setor no âmbito escolar. No contexto familiar deve contar com a participação de todos os membros da casa. Os educadores, na sua totalidade, devem estar envolvidos e agirem dentro de uma perspectiva na qual a indisciplina constitui-se numa oportunidade privilegiada para educar.
Este livro não tem a pretensão de esgotar o assunto, devido a complexidade e multiplicidade de variáveis que alimentam o fenômeno da indisciplina nas relações inter-pessoais e a cruzam. Cometeria uma heresia original querer dar conta de todos os âmbitos e nuâncias que perpassam pelo tema da indisciplina. Queremos, sim, contribuir com uma reflexão que vem atrelada a uma vivência e uma experiência colhida no cotidiano da escola na qualidade de Professor e, no contexto familiar, como pai.
Partindo da premissa de que o ato educativo deve ser realizado numa relação equilibrada entre razão e emoção, significa aceitar que necessitamos conhecer o educando para que possamos compreendê-lo e amá-lo. Ser para ele um agente significativo em sua vida. Para amá-lo, faz-se necessário conhecê-lo. Ninguém ama o que não conhece. Nessa perspectiva, justifica-se a necessidade de conhecer bem os educandos. Esse “conhecer” não está centrado, tão somente em saber o nome, sobrenome, endereço, filiação e preferências pessoais do aluno. Significa, isso sim, conhecer os entes e as circunstâncias que contribuíram na construção da sua identidade e história de vida. Assim, conhecendo o seu histórico, a evolução da estrutura familiar, o impacto que ele recebe dos meios de comunicação de massa, a influência dos diversos âmbitos comunitários e aspectos da própria natureza humana, temos alguns elementos essenciais que permitem traçar um perfil dos componentes biopsicosociais dos alunos, vistos por uma ótica coletiva na qual todos vinculam a sua gênese. Por esse prisma, torna-se possível estabelecer alguns elos necessários para que o educador possa amar o educando, e, por conseguinte, ajudá-lo no processo educacional. É importante distinguir aqui, o sentido dado a palavra “amor”. Não se trata da necessidade em que o educador deve “gostar” do educando, em que o gostar seja compreendido por um sentimento de paixão de origem emocional. O amor aqui entendido origina-se da decisão livre, voluntária e racional de querer o bem do outro e pôr-se a serviço dele. Este é o sentido de amor pregado pelo Mestre de Nazaré – Jesus Cristo. Por essa via, torna-se possível “amar os inimigos”, conforme os ensinamentos deste Grande Mestre.
Este livro segue uma estruturação que pretende conduzir o leitor a seguir os seguintes passos: 1. Conhecendo o educando; 2. Compreendendo o educando; 3. Agindo para ajudar o educando. Somente quem conhece é capaz de compreender. Quem compreende é capaz de amar. E quem ama é capaz de enxergar nos momentos de dificuldades uma oportunidade impar para ajudar e educar.
Com estas palavras convido o leitor para se apropriar da reflexão contida nesta obra, a qual foi elaborada com a finalidade de servir de instrumento para balizar a prática cotidiana nas relações interpessoais entre educador/educando. É uma obra que pretende situar-se entre as fundamentações teóricas que sustentam seus argumentos e um modo de agir prático para mediar os conflitos e indisciplinas que surgem juntamente com o ato de educar. Essa é a pretensão do autor. Boa leitura!
4. FATORES CONTRIBUINTES DA EDUCAÇÃO - (IN) DISCIPLINA
Educar é um ato de amor. Somente amamos aquilo que conhecemos. Por essa razão passaremos a fazer uma análise dos fatores que fazem parte da realidade sociocultural brasileira e, por conseqüência, influenciaram e continuam influenciando de maneira direta ou indireta a todos os brasileiros. Nesses fatores iremos analisar os impactos significativos das transformações recentes ocorridas na evolução histórica do Brasil, estrutura familiar, meios de comunicação de massa, diversos âmbitos da comunidade e aspectos da própria natureza humana. Estes aspectos estabelecem uma certa unidade à sociedade brasileira, pois eles impactaram e continuam impactando, de uma forma ou de outra, a todos nós.
4.1 - HISTÓRICOS
Os educadores devem olhar para o educando numa visão mais ampla. É certo afirmar que o indivíduo enquanto sujeito da história cria a sua história particular e ao mesmo tempo participa como coadjuvante da história de muitas outras pessoas. Isso implica compreender que ninguém chega ao estágio da vida na qual se encontra de forma repentina e sozinha. O aluno não desce de pára-queda para dentro da sala de aula, oriundo de um mundo desconhecido. Ele cresce e se constitui dentro de uma historicidade, sendo fruto da multiplicidade de estímulos que recebe na sua trajetória.
Olhando para a história recente da nossa realidade, percebemos algumas transformações muito significativas que ocorreram no Brasil nas últimas décadas. Aqui vamos analisar duas grandes transformações ocorridas na sociedade brasileira.
A primeira grande revolução, no Brasil, foi no campo sócio/econômico. As estatísticas apontam que o Brasil, em 1940, era um país em que cerca de 70% da população morava no campo. Decorridos 50 anos, por volta do ano de 1990, esta realidade havia se invertido. Ou seja, o Brasil teria, naquele ano, cerca de 76,% da população morando em centros urbanos. (COELHO, 1998). Essa extraordinária migração do campo para a cidade trouxe reflexos sobre o conjunto da população. A diferença do modo de vida entre o campo e a cidade tem, no Brasil, uma expressão singular. A vida do campo, vivida em sua riqueza de tradições, traz para as cidades um folclore que passa a ser comemorado com o intuito de manter viva a memória de um passado não muito longínquo. As festas juninas são realizadas de norte a sul e parecem querer resgatar e mitificar a memória do lado caipira e sertanejo do povo brasileiro.
Essa transformação, tão rápida, considerando que 50 anos perante a história é um tempo muito exíguo, fez com que um grande número de pessoas que hoje moram nas cidades tenham um pé fincado no campo, na seguinte relação: Nasceram no campo e migraram para a cidade; nasceram na cidade, mas seus pais, avós ou bisavós tem origem ou contato com o campo. (Dados pesquisados pelo autor)
É comum ouvir a seguinte expressão de alguns educadores: “No meu tempo não era assim”. “No tempo dos meus pais não era assim”. “No tempo dos meus avós não era assim”. Em parte, essas expressões refletem a maneira de ser diferente entre o campo e a cidade. Revelam, também, a grande mudança ocorrida nos relacionamentos entre as pessoas, num espaço de tempo muito pequeno. Ocorre que no imaginário subjetivo da grande maioria da população urbana jazem elementos dessa realidade pregressa. Quando eles vêm à tona geram essa espécie de conflito existencial entre os referenciais do passado e os atuais.
Antes de prosseguir cabe um registro. Não estamos aqui querendo fazer uma saudação ao estilo de educação autoritária praticada pelos nossos antepassados. Nem tampouco estamos querendo emitir um juízo de valor. A intenção é tão somente dar luminosidade sobre estes aspectos que fazem parte da história dos nossos alunos, a fim de que possamos compreendê-los melhor. A história caminha para frente. A indagação que precisa ser feita é a seguinte: Considerando o aluno de hoje, com a sua história e os valores que o trouxeram até o presente, de que educação ele precisa para constituir-se num cidadão politicamente correto, eticamente equilibrado e socialmente solidário? Aí, residem os desafios das ciências da educação.
O outro prisma a ser abordado nos fatores contribuintes da educação – (in) disciplina está relacionado com as grandes transformações ocorridas no plano político institucional, no Brasil, nos últimos 40 anos. Fazendo uma regressão no tempo até os anos 60, vamos encontrar, naquela década, um fato político que mexeu com toda a organização institucional do Brasil. No ano de 1964, ocorreu a tomada do poder pelos militares, cujo desenrolar culminou com a instalação de uma ditadura militar no país. Os diversos atos institucionais baixados pelos governos ditatoriais impactavam diretamente na vida social das pessoas. Direitos e garantias individuais eram suprimidos. Liberdade de expressão era proibida. A censura foi um instrumento largamente utilizado para controlar o pensamento coletivo. Tudo era controlado pelos aparelhos repressores do Estado. (ARNS, 1986). As Escolas, por exemplo, foram privadas da autonomia para elaborar e adotar um Projeto Político Pedagógico fundamentado em pedagogias progressistas e libertadoras. Trabalhavam numa prática pedagógica de orientação tradicional e não podiam fugir dessa imposição. Nesses moldes políticos, o país caminhou até os anos 80, quando começaram a surgir os primeiros sinais de distensão e abertura.
A partir da década 80, ocorre uma verdadeira ebulição transformadora no meio social e político, cujas conseqüências vão influenciar fortemente as relações entre as pessoas, pois, inicia-se a restauração da liberdade democrática. As escolas começam a modificar os seus projetos político-pedagógicos, que passaram a ser fundamentados em pedagogias com tendências mais progressistas. Com a implantação desses novos referenciais nasce, também, a dicotomia entre o tradicional e o novo.
Na relação social e política foi sendo implantada a mentalidade da liberdade, democrática e o respeito às garantias individuais do cidadão. A palavra de ordem passou a ser o culto à liberdade. Os atos remanescentes de autoritarismo, quando constatados, passaram a ser severamente reprimidos e criticados. No campo legal, foi elaborada uma nova Constituição, além de outras Leis e Códigos que passaram a institucionalizar as novas relações sociais e políticas. Enfim, começam a soprar, no Brasil, os ventos da democracia. Com ela, a esperança de trazer a prosperidade, a liberdade e a segurança institucional a todos os brasileiros.
Todas essas transformações trouxeram influências significativas sobre a formação do imaginário subjetivo das pessoas. Antes, a palavra de ordem estava relacionada ao proibido e ao reprimido. Agora, a liberdade tomou conta. As algemas foram quebradas e as pessoas passam a ter uma relação sociopolítica mais livre, pautada em princípios democráticos.
Esse nosso legado histórico, visto por esses dois prismas – econômico/social e político/institucional, continuam, ainda, a influenciar os estilos educacionais adotados por pais e professores. Não é raro encontrar nas escolas e nas famílias, educadores que ainda cultivam e saúdam as velhas práticas autoritárias de outrora.
ESTRUTURA FAMILIAR
Na estrutura familiar ocorreram significativas transformações nas últimas décadas, cujos resultados afetam diretamente a relação entre pais e filhos. No modelo de família tradicional tínhamos, em via de regra, o pai como provedor da casa e a mãe ocupava-se com os afazeres domésticos. A educação dos filhos e a administração da casa ficava aos cuidados da mãe. Pela sua dedicação dioturna às lides domésticas recebeu o título carinhoso de “rainha do lar”. O pai era o chefe da casa e respondia pelo seu sustento e proteção. Os membros da família viviam uma relação muita intensa e próxima. Era comum ver seus membros reunidos para fazer as três principais refeições do dia. À noite, costumavam sentar juntos para conversar, ouvir rádio, ver televisão ou rezar. Quantas histórias ali eram contadas? Os filhos ficavam atentos para não perder nenhuma palavra das narrativas que fluíam dos adultos. Nestas circunstâncias é inegável que a criação dos filhos tinha uma ambientação singular com ganhos qualitativos sobre a educação.
À medida que foi avançando a participação da mulher na vida econômica e outros movimentos ligados a ela ou ao casamento, tais como: revolução feminina, revolução sexual, emancipação da mulher e direito ao divórcio, foram ocorrendo, gradualmente transformações significativas na estrutura familiar. A mulher deixa de ser exclusivamente a “dona-de-casa” a “rainha-do-lar” e passa a assumir trabalhos fora de casa. Estes aspectos aliados com as mudanças de natureza econômica criaram um cenário em que quase passou a se constituir uma obrigação da mulher participar ativamente do orçamento doméstico. Em muitos casos, responde sozinha pelo provimento da família e educação dos filhos.
Atualmente, não se pode mais falar em modelo de família no singular. São tantos os arranjos familiares que se encontram no cenário social, que levam a uma necessária conceituação plural no tocante aos diversos tipos de famílias. Temos a família constituída de pai, mãe e filhos; em outra casa, pode-se encontrar uma família constituída de padrasto, mãe e filhos; o vizinho poderá ter uma constituição de madrasta, pai e filhos; no outro lado da rua, pode-se encontrar uma família com padrasto, mãe, filhos e enteados. Na rua de trás, pode-se encontrar uma família constituída de avós e netos; na rua da frente, uma família formada por pai, mãe, filhos e avós. Assim, seguem as múltiplas possibilidades de organização familiar.
Com a transformação ocorrida na estrutura familiar mudou, também, a relação de convivência entre os seus membros. As pessoas passaram a ter uma vida mais solitária dentro da família. As refeições nem sempre são feitas com toda a família reunida, pois os horários de trabalho dos seus membros não são compatíveis. É comum cada um ter uma televisão em seu quarto. As rodas de conversas e os momentos de oração também são escassos. Os filhos passaram a ficar sob os cuidados de babás, empregadas, creches ou algum parente. O tempo de convivência entre pais e filhos foi reduzido significativamente, a ponto de se encontrar situações extremas de pais que dizem “não ter tempo para os filhos”.
Neste contexto em que se encontram as famílias é que se criam as condições para o surgimento de uma educação desregrada, pois os pais, em grande escala, não conseguem ou não querem conseguir dar conta de suas funções de pais. As escolas, por sua vez, recebem os alunos com grandes carências nas questões relacionadas ao saber conviver. Problemas de falta de limites e incapacidades de conviver de forma cooperativa fazem parte do contexto atual dos alunos nas escolas. Precisamos, então, admitir que a escola não pode mais continuar se eximindo da responsabilidade de assumir a educação por inteira. A alegação de que o conjunto de valores, comportamentos e limites devem vir de casa já não cabe mais nos dias atuais. A expressão "a educação vem de casa" já teve o seu tempo. A escola deve agir em parceria com as famílias e assumir a educação de forma mais abrangente, sob pena de não conseguir ser eficiente na transmissão do conhecimento cientificamente elaborado. A indisciplina não é uma manifestação de carência cognitiva ou ausência de conhecimentos cientificamente elaborados. (AQUINO 1996). É, isto sim, manifestação da ausência ou fragilidade de valores morais e falta de limites. Com essas premissas é cada vez mais imperativa a necessidade de que escola e família estabeleçam uma relação de parceria e de complementaridade, a fim de que a educação dos filhos/alunos possa prosperar.
INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Um outro fator, de importância expressiva, que atua na formação da subjetividade do imaginário coletivo das pessoas são os meios de comunicação de massa (ZAGURY, 1997). A partir da década de 70, do século passado, ocorreu uma verdadeira avalanche de novos veículos de comunicação de massa. Além da televisão, que foi ocupando cada vez mais um lugar de destaque nas casas, surgiram os jogos eletrônicos de vídeo games, internet, celular, revistas, jornais, entre outros.
Esses equipamentos interagem com as pessoas e, pelo que se percebe, exercem uma influência significativa na formação de modismos sociais que, nem sempre, são de natureza sadia.
Por um dever de justiça, não se pode querer satanizar ou deixar de reconhecer o importante papel que esses múltiplos meios de comunicação trazem de benefícios na organização da vida das pessoas. As relações democráticas de uma sociedade se fortalecem na medida que há liberdade de expressão, imprensa livre e veículos de comunicação fortes. O problema está nos excessos e abusos praticados por esses veículos de comunicação ao veicularem publicidades, programas, quadros, novelas, filmes, etc, de qualidade duvidosas em busca de sensacionalismos e lucro fácil. Por outro lado, dentro das casas, parece que os pais também perderam o poder de controlar e selecionar os programas que os filhos podem e devem assistir.
Enfim, temos aí essa realidade que não podemos negar. Ela está aí. O que poderemos fazer é agir de forma educativa com os filhos/alunos para que eles possam aprender a usar de forma crítica e responsável os materiais colocados à disposição da saciedade pelos meios de comunicação de massa. Uma outra ação possível e, igualmente importante, é a de interagir com os responsáveis pela veiculação de matérias e programas de baixa qualidade, por meio de críticas, sugestões, abaixo-assinados, correspondências, telefonemas, entre outros. Embora a orientação aos filhos/alunos seja importante, assim como também a emissão de críticas aos mantenedores da mídia, porém, há uma ação que é fatal. Negar a audiência. O boicote é uma das armas mais certeiras que o público tem a mão para usar contra os maus veículos de comunicação. Não assistindo os programas ruins da televisão e do rádio, não comprando revistas e jornais que trazem conteúdos contra os princípios da boa educação e da ética, a sociedade estará dando a resposta adequada para esse problema. Desta feita, estaremos agindo de forma cooperativa com a transformação qualitativa da sociedade e afirmando uma condição de cidadania responsável.
4.4 COMUNIDADE
A comunidade exerce uma influência significativa sobre o modo de agir dos seus componentes. Quando se fala em comunidade, precisa-se, inicialmente, caracterizar os diversos âmbitos que constituem o sentido comunitário. A primeira e mais elementar forma de comunidade está centrada na família. Porém, as famílias não vivem isoladas. Elas agrupam-se em comunidades mais numerosas constituindo: bairros, vilas, ruas, prédios, cidades, municípios, estados, países, etc. Atualmente, não se pode deixar de considerar a influência da comunidade internacional sobre as pessoas, trazida à tona com o crescente fenômeno da globalização.
Vistas em seus diversos âmbitos, as comunidades, através dos seus diversos elementos constituintes, geram estímulos que influenciam na definição de padrões de conduta sobre as pessoas. Reconhecer essa influência, conhecer o modo peculiar de sua ação e atuar no sentido de que a contribuição comunitária seja mais sadia, é uma tarefa que deve empolgar a todas as pessoas que têm funções educativas.
A comunidade, compreendida como sendo o conjunto organizado do tecido social, possui uma capacidade de ação muito grande. Para isso, faz-se necessária a sua devida articulação, organização e conscientização, a fim de que as suas forças possam ser canalizadas para a construção de relações cada vez mais solidárias. Uma comunidade organizada gera prosperidade. Quando impera a desorganização, a injustiça, os interesses particulares se sobreporem aos públicos, temos como resultado, em via de regra, a violência, a criminalidade e o caos.
A construção do sentido positivo de comunidade é uma tarefa da qual ninguém pode furtar-se. Cada indivíduo é parte integrante da comunidade e, como tal, é co-responsável, por ação ou omissão, daquilo que ela é e produz. Dessa concepção nasce o conceito de responsabilidade social. Daí pode-se inferir que cada cidadão brasileiro é responsável por uma cota-parte dos prodígios e mazelas produzidas na grande comunidade chamada Brasil.
As relações comunitárias encontram as suas expressões mais significativas nas dimensões do “ser” e “fazer”. O texto a seguir pretende servir de ponto de partida para ampliar essa reflexão.
SER
As dimensões do ser e fazer constroem a história
São riquezas essenciais que mantêm o seu valor
Dia após dia, de ato em ato, erguem a glória
Pujantes qual fortaleza, mostram seu esplendor
Há os que se empolgam e dão preferência ao ter
Acumulando riquezas materiais, sem fronteira
Pensam que a vida vale pelo que conseguem obter
Com isso se embrutecem trabalhando a vida inteira
Não que possamos abrir mão de ter o necessário
Pois o corpo, em vida, precisa de sustento material
Porém, para com os que nada têm sejamos solidários
Assim prosperará a felicidade no plano existencial
Homens construindo humanidade para todos de uma forma igual
Sem fome, sem miséria, sem injustiça.
Que tal?
4.5 NATUREZA HUMANA
A indisciplina é um fenômeno que tem a sua maior manifestação entre os seres humanos. Ao analisarmos o comportamento dos demais seres vivos, constata-se que são praticamente inexpressivas as atitudes indisciplinadas entre eles. Num formigueiro, por exemplo, as formigas desempenham as suas funções de uma forma idêntica sem que haja a necessidade de maiores pressões e controles por parte da administração do formigueiro. Todas seguem um comportamento que já vem codificado em sua composição genética. Vivem, portanto, num determinismo genético, cujos desígnios não conseguem superar. O mesmo acontece com as abelhas, aves, peixes e outras espécies de animais.
No Homem, no entanto, não funciona assim. Ele não nasce com a fonte genética que determina as suas atitudes. Possui o livre arbítrio o que o possibilita fazer escolhas, tomar decisões e agir da forma que melhor lhe aprouver num determinado momento e contexto. Já que o homem não nasce com o código de conduta impresso na sua estrutura genética, o mesmo precisa ser elaborado fora dele. Daí nascem as leis, contratos, regimentos, normas para todas as situações que vão reger a vida da comunidade. Essas normas e leis, na maioria das vezes, são feitas por um grupo de pessoas para serem cumpridas por outras. Essa é uma das razões pelas quais as mesmas nem sempre são fielmente cumpridas. Todavia, não há garantias de que uma pessoa siga sempre as regras de forma correta, mesmo que elas tenham sido elaboradas por ela e para ela, tendo em vista a capacidade que o homem possui de fazer escolhas. Essas escolhas nem sempre são afinadas com as regras que ele sabe que precisaria seguir.
Ante essa constatação, pode-se pensar que a indisciplina constitui-se num fenômeno de natureza humana que, talvez, jamais terá um fim. Disso decorre compreender que não é producente perseguir objetivos que tenham como meta "acabar com a indisciplina". Precisamos aprender a trabalhar com ela, a fim de trazê-la a níveis aceitáveis para cada tempo e espaço. Um grito, por exemplo, tomado de forma isolado não pode ser caracterizado como um ato de indisciplina. Todavia, se esse grito ocorrer em um ambiente onde a concentração e o silêncio são necessários, aí sim, poderíamos entendê-lo como ato de indisciplina. Este exemplo é significativo para ilustrar que a indisciplina é relativa. Muitas vezes, caímos em armadilhas de esquadrinhar e rotular os atos sem relacioná-los com o contexto.
Ainda é digno de registro destacar que a indisciplina também está presente na própria gênese do homem, tomando como referencial a origem humana como criatura feita por Deus a sua imagem e semelhança, conforme consta no Livro do Gênesis da Bíblia. “Adão e Eva foram indisciplinados ao contrariarem as regras que lhes foram dadas pelo Criador de não comerem a maçã”. Se continuarmos lendo os textos bíblicos a partir do Gênesis, iremos encontrar várias outras situações em que o homem desobedece aos preceitos estabelecidos por seu Criador.
Diante disso, parece que podemos admitir que o homem traz uma natureza que o impele para a transgressão. Este aspecto também se encontra subentendido na expressão “errar é humano”. Se tomarmos essa máxima em sentido diferente, chegaremos à seguinte afirmativa: Se “errar é humano”, então a pessoa que não erra deixa de ser humana.

5. FATORES CONTRIBUINTES DA INDISCIPLINA GERADOS NA ESCOLA
A reflexão feita até agora levou em consideração os elementos externos à escola que, de uma forma ou de outra, contribuem com o processo educativo das crianças. O propósito agora é identificar dentro da escola alguns fatores que podem estimular a geração da indisciplina. É importante identificar e compreender as causas que estão por trás dos atos desregrados. Assim, torna-se mais fácil resolver os problemas da indisciplina e criar um ambiente sadio em que os alunos se sintam menos propensos a praticar atos indisciplinados. As causas que têm origem no interior da escola são múltiplas. Porém, aqui iremos abordar apenas três: 1) Instalações físicas; 2) Uso de metodologias inadequadas 3) Inabilidade dos educadores.
5.1 INSTALAÇÕES FÍSICAS
O ser humano é, permanentemente, influenciado pelos estímulos que têm origem nas estruturas físicas do ambiente no qual se encontra. A temperatura, a limpeza, a organização, a estética, o conforto, a luminosidade, o odor, o ruído entre outros, são quesitos que causam reações de aprovação ou de reprovação, dependendo do nível de satisfação que esses elementos dão às pessoas. Quando algo incomoda, é natural que se tenha reações com o propósito de eliminar esse incômodo.
A partir dessa constatação, precisamos compreender os aspectos ambientais internos da escola em seus diversos compartimentos (salas de aula, banheiros, pátio, biblioteca, quadras esportivas, etc) para saber que impactos positivos ou negativos estão causando nos alunos. Da mesma forma, faz-se necessário verificar o mobiliário (carteiras, mesas, quadros, etc) para saber se os alunos encontram-se, confortavelmente, instalados durante as atividades que executam na escola.
Para ilustrar de forma concreta de como as instalações físicas são um elemento importante no controle das atitudes vamos explorar como exemplo a temperatura. Digamos que as salas de aula de uma escola hipotética não tenham equipamentos de refrigeração, são mal ventiladas, o sol incide para dentro das salas nas tardes quentes de verão e os alunos sentam-se próximos uns aos outros, porque a turma é muito grande em relação à sala. Nestas condições ambientais, é natural que os alunos fiquem agitados e irritados pelos incômodos que recebem do fator temperatura. Essa irritabilidade e agitação podem desencadear conflitos relacionais entre os alunos ou entre os professores e os alunos. Essas circunstâncias para o professor menos atento, podem levar a situações em que algumas atitudes dos alunos, motivados pelas condições ambientais, sejam interpretadas como atos de indisciplina. Nestes casos, o professor precisa levar em consideração os fatores estimulantes da indisciplina e ter reações que sejam solidárias com os incômodos vividos pelos alunos. Adotar discursos repressivos e moralistas nesses momentos, geralmente, levam a um caos maior. Exemplo: “Vocês precisam aprender a suportar desafios”.“Isso não é nada. No meu tempo de aluno era pior ainda”, etc. Uma possibilidade adequada de abordar essa questão poderia ser a seguinte: “Eu compreendo as razões pelas quais vocês estão agitados. A sala ,realmente, está muito quente. Mas vamos precisar da compreensão e um pouco de esforço de cada um de vocês, pois não temos outro espaço, senão este”. Desta feita, há maiores possibilidade de amenizar a situação e conseguir a colaboração dos alunos. A mesma lógica serve também para os demais aspectos das instalações da escola, quando são causadoras de incômodos aos alunos.
METODOLOGIAS EDUCACIONAIS INADEQUADAS
Um outro aspecto que pode contribuir muito na geração de atitudes indisciplinadas está na escolha das dinâmicas que o professor utiliza durante as aulas. Os profissionais da educação devem levar em consideração que os alunos, em seus contextos familiar e social, fazem contato com diversos equipamentos em que precisam de muita agilidade mental e corporal para operá-los. Estamos falando dos jogos eletrônicos que estão tão difundidos, os quais até nos aparelhos de telefone celular estão presentes. Além dos jogos, os alunos costumam ter acesso a outros equipamentos eletrônicos, tais como: computador, internet, Dvds, etc, que produzem um dinamismo significativo nas atividades cotidianas dos alunos.
Diante dessa realidade, fica muito difícil conseguir a atenção dos alunos por muito tempo, se o professor exagerar em prolongadas aulas expositivas. Não estamos querendo dizer que as aulas expositivas não têm o seu valor. Apenas devem ser melhor dimensionadas quanto ao tempo de duração. É comum ouvir a seguinte expressão dos alunos: “Que aula chata!” Essa expressão denuncia, em parte, que o professor não foi feliz na escolha da metodologia que utilizou na aula. A melhor estratégia está na diversidade. Alternar aulas expositivas com atividades manuais, trabalhos em grupo, aulas externas, uso de multimídia, recursos audiovisuais, pesquisas, projetos, sínteses individuais e coletivas, entre outras, são algumas maneiras de incrementar a aula. Quanto mais atrativa for a aula, mais os alunos colaboram com ela. O contrário também é verdadeiro: Quanto menos atrativa for a aula, menos os alunos colaboram com ela. Esse é um dos maiores desafios dos professores: conseguir atrair e manter a atenção dos alunos. A receituário dos que conseguem se sair bem neste quesito mistura um pouco de diversos ingredientes, entre eles: domínio de conteúdo; estar aberto para o diálogo; ser justo; ser imparcial; respeitar os alunos; compor e não impor; ser firme e não grosseiro; ser tolerante, porém conseqüente; ser coerente, entre outros.
(IN) HABILIDADE DOS EDUCADORES
Quando falamos em educadores estamos, na verdade, nos referindo a um conjunto muito amplo de pessoas. O pai é a mãe são os primeiros educadores. Em via de regra, educam os filhos tendo como parâmetro o estilo educacional herdado de seus pais, mesclado com algumas leituras e concepções próprias. São muito pequenas as iniciativas de pais que procuram uma preparação teórica formal para lidar com as múltiplas implicações da paternidade.
Quando falamos em educadores no contexto escolar estamos nos referindo a um profissional. O professor faz uma opção pela profissão de educador e, para isso, qualifica-se através dos cursos de magistério. Teoricamente, os professores deveriam estar, então, plenamente habilitados para o exercício do magistério, considerando-se que foram treinados e preparados para tal. A realidade, porém, não se apresenta desta forma. Costuma-se verificar que um dos motivos da indisciplina nas escolas tem como origem a inabilidade dos profissionais da educação. Essa inabilidade, em parte, justifica-se pela deficiência dos currículos que preparam os professores. Fazendo-se uma análise qualitativa desses currículos, constata-se que há um direcionamento muito privilegiado para o treinamento de metodologias e técnicas educacionais, assim como, para o domínio dos conteúdos da disciplina em estudo. Não que isso não seja importante ou dispensável. Como já nos referimos antes, o bom professor precisa ter domínio de conteúdo e saber eleger a metodologia certa para o conteúdo que vai trabalhar. A deficiência, ao nosso ver, está na falta de aprender na academia a lidar com o humano. O aluno não é um recipiente passivo em que o professor deposita um conteúdo. Ele é um ser reagente, dotado de capacidades que lhe permitem interagir de forma crítica com os conteúdos que estão sendo trabalhados, a metodologia utilizada e questões interpessoais entre professo/aluno. Além disso, o aluno é um ser relacional dotado de sentimentos que afloram nas mais diversas formas de manifestações durante o processo educacional. São freqüentes nas crianças as demonstrações de raiva, ciúme, choro, agressividade, frustrações, medos, entre outras expressões de sentimentos, que podem levar os educares a uma imobilização. As vezes percebe-se, também, educadores que misturam os seus afetos mal resolvidos com os dos educandos, gerando um rastro de conflitos e ressentimentos. Qual deveria ser a atitude de um educador diante de um educando que o xinga com uma expressão nada respeitosa do tipo: “Vai tomar nos olhos”. Diante de uma situação dessa é que o educador precisa demonstrar todo o seu preparo profissional. Evidentemente não é revidando o xingamento que vai dar o melhor resultado educacional. Nessa hora, faz-se necessário manter o controle emocional e agir de forma firme, a fim de que essa oportunidade se transforme num momento privilegiado para educar. Para lidar com essas situações, infelizmente, os currículos que formam os profissionais da educação são muito pobres. Por essas razões, percebe-se que há professores que conseguem bons resultados no tocante ao conteúdo. Mas, quando precisam agir nas questões de natureza humana, relacional, administrar conflitos, gerenciar emoções em momentos de tensão, tende a mostrar a sua inabilidade. Em via de regra, os professores aprendem a lidar com esse tipo de problema, enfrentando a realidade nas salas de aula. O que é lamentável!

6. QUEM EDUCA OS NOSSOS FILHOS/ALUNOS?
Esta é uma pergunta que numa primeira análise parece ter uma resposta fácil. Mas quando nos detemos a uma reflexão mais profunda percebemos que a resposta requer uma elaboração mais complexa. Há a tese de que a educação vem de casa. Esta premissa já não encontra mais respaldo na configuração da realidade atual. As famílias já não conseguem mais dar conta dessa atribuição sozinhas. Para ajudar a família nessa tarefa temos as creches e as escolas. Mas será que somente a família e a escola educam? Também não. A educação mostra-se com uma abrangência muito mais ampla, que extrapola os âmbitos da família e escola. Para termos uma idéia do universo de estímulos manipulados pelos filhos/alunos, que, de uma forma ou de outra, afetam o seu perfil educacional, podemos admitir três categorias de agentes: 1) Pessoas; 2) Instituições; 3) Instrumentos e objetos.
6.1 PESSOAS
Partindo da premissa de que ninguém sai ileso de uma relação interpessoal, podemos inferir que todas as pessoas que convivem com as crianças/alunos contribuem com a sua educação. (MIRANDA, 2002). Neste universo de pessoas incluem-se: pai, mãe, irmãos, primos, avós, cunhados, vizinhos, colegas, professores, amigos, artistas, entre outros. É evidente que neste conjunto de pessoas há os que são mais significativos em relação aos outros. Em via de regra, os pais costumam ocupar o primeiro lugar nesse referencial significativo. Porém, há exceções. Por diversas razões, encontramos situações em que os pais não ocupam o topo nesse gradiente de pessoas mais significativas. Não é o caso de ficarmos aqui detalhando as múltiplas variáveis que interferem na definição do nível de relação que cada pessoa estabelece com a outra. Essa investigação por si só teria conteúdo suficiente para compor um livro, não obstante a vasta exploração já feita sobre esta temática. (TIBA, 1996; ZAGURI, 2001). O que queremos aqui significar é o fato de que todas as pessoas com as quais o educando faz contato contribuem, de uma forma ou de outra, com a sua educação.
6.2 INSTITUIÇÕES
Saindo da relação pessoal entramos na relação institucional. As instituições sociais, através do seu modo de agir, também interagem com a formação educacional das pessoas com as quais têm contato. Neste universo de instituições, incluímos: as famílias, as escolas, as empresas, os sindicatos, as igrejas, as comunidades, os poderes constituídos, as associações, os clubes, etc. Dependendo da atuação das instituições com ralação à ética, seus comprometimentos e responsabilidades sociais, sua contribuição para se firmarem como referências positivas ou negativas, elas sinalizarão para a sociedade um viés de conduta que poderá ser incorporado as praticas cotidianas no plano pessoal. Por essa razão, quanto mais sólidas, sérias e atuantes forem as instituições de um país, melhor servirão para a propagação de estímulos positivos que irão contribuir com a sustentação de sua base social. A recíproca também é verdadeira. Quanto mais corrompidas forem as instituições, mais desintegrada será a base social na qual se encontram. Para contribuir com essa reflexão, apresentamos um texto que me parece sugestivo.
DISCURSO DE CANDIDATO
1) CANDIDATO A VEREADOR
Na Câmara Municipal, vou trabalhar de forma firme para que a Prefeitura viabilize projetos que venham a solucionar os problemas cotidianos das pessoas, tais como: saneamento básico; educação; segurança; moradia; emprego e saúde.
2) CANDIDATO A PREFEITO
Decidi lançar-me candidato a Prefeito da minha cidade para executar as obras necessárias de saneamento básico; educação; segurança; moradia; emprego e saúde, que tentei viabilizar como Vereador, mas não tive o respaldo necessário da Administração Municipal.
3) CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL
Quero ser o deputado do povo para fazer o Governo Estadual a desenvolver as políticas necessárias que atendam às necessidades de todos os municípios do meu Estado no tocante a saneamento básico; educação; segurança; moradia; emprego e saúde. Como Prefeito da minha cidade,tentei viabilizar obras nessas áreas, mas não obtive o apoio necessário da Assembléia Legislativa para alocar verbas orçamentárias para que a Prefeitura pudesse realizar tais obras.
4) CANDIATO A GOVERNADOR
Já fui Vereador, Prefeito da minha cidade e o Deputado Estadual mais votado da última legislatura. Sempre lutei por causas justas em benefício do povo. Quero ser o seu Governador para resgatar a esperança da minha gente e dar a todos uma vida digna. As prioridades do meu governo vão ser o saneamento básico; educação; segurança; moradia; emprego e saúde. Na Assembléia Legislativa apresentei vários projetos de grande interesse social para as cidades do meu Estado. Infelizmente não receberam a devida atenção por parte do Governo do Estado. Por essa razão, peço o seu voto de confiança para ser o seu Governador. Uma vez eleito, quero ser o melhor Governador que este Estado já teve.
5) CANDIDATO AO CONGRESSO NACIONAL (Deputado Federal ou Senador)
Quero ser o seu representante no Congresso Nacional. Vou defender causas justas que venham trazer mais qualidade de vida para o povo sofrido do meu Estado. Saneamento básico; educação; moradia; segurança; emprego e saúde serão as minhas prioridades. Trago a experiência de quatro mandatos. Já fui Vereador, Prefeito, Deputado Estadual e Governador. Vou lutar com vigor para viabilizar os mais altos interesses da minha gente. Quando Governador fizemos muitas coisas, mas me faltou um apoio mais maciço por parte do Congresso Nacional para alocar recursos orçamentários da União para os projetos vitais ao nosso Estado. Por essa razão, peço o seu voto.
6) CANDIDATO A PRESIDENTE
Minha gente. Quero ser o seu Presidente e para isso venho, humildemente, pedir o seu voto. Trago uma experiência de vida que me qualifica para postular a Presidência da República. Já exerci todos os mandatos da vida pública. Fui Vereador, Prefeito, Deputado Estadual, Governador. No Congresso Nacional, apresentei diversos projetos de alto interesse social. Tenho propostas claras sobre todos os problemas que afligem a nação. O meu governo vai priorizar as seguintes áreas: saneamento básico; educação; segurança; moradia; emprego e saúde. No Congresso Nacional ,apresentei vários projetos com o intuito de viabilizar recursos para minimizar os descalabros que afetam a grave realidade da nossa gente. Lamentavelmente, faltou apoio e sensibilidade por parte do Governo para que esses problemas cruciais pudessem ser solucionados. Por essa razão, decidi candidatar-me a Presidente da República. Com o seu voto e, uma vez eleito, terei condições para articular recursos e mobilizar esforços para tirar o povo do meu País do atraso econômico e acabar com a corrupção e injustiças sociais.
7) CONCLUSÃO
Infelizmente, a maioria dos candidatos vendem sonhos e ilusões para seus eleitores. Os eleitores, por omissão, ingenuidade ou ignorância, acreditam que as fantasias e utopias prometidas pelos candidatos podem ser concretizadas, como que por um gesto de mágica. Assim segue a lógica política: candidato, para se eleger, tem que prometer. O povo, coitado, crédulo de que o Papai Noel existe, aceita ser enganado pelos discursos vazios dos postulantes.
Esse mecanismo somente acabará quando, nós eleitores, assumirmos compromissos junto com os nossos representantes de: fiscalizar, cobrar, participar, acompanhar, olhar, cooperar, testemunhar, realizar, observar, avaliar, criticar e votar de forma justa e solidária as coisas de interesse público.
Enfim: Só depende de nós. Papai Noel só existe no imaginário pueril durante as festas natalinas.

6.3 INSTRUMENTOS E OBJETOS
Saindo da relação pessoal e institucional, entramos na relação material aqui definida pelos instrumentos e objetos com os quais as pessoas fazem contato. Nesta categoria relacionamos os seguintes: livros, brinquedos, jogos eletrônicos, computador, DVD, álcool, drogas, adornos corporais, etc, etc, etc. Volta e meia nos deparamos com discussões do tipo: “será que tal brinquedo é educativo?” “Será que este brinquedo faz bem?” E, assim por diante. Tomemos, como exemplo, o jogo de xadrez. Este jogo se encontra muito difundido nas escolas e clubes do gênero, pois ele aguça o raciocínio, estimula a capacidade de concentração, favorece a memória, entre outras virtudes que o jogo de xadrez possui. Esta é uma leitura absolutamente real e verdadeira sobre este jogo, do qual sou um assíduo praticante. Porém, não podemos deixar de considerar, também, uma outra leitura que o jogo de xadrez também revela. Trata-se de uma batalha medieval em que dois reinos guerreiam entre si e têm como objetivo matar o rei do adversário. A trama do jogo segue esta lógica. Um cenário de guerra em que o objetivo é aniquilar as forças do exército oponente. Diante desse contexto, voltamos à pergunta. O jogo de xadrez é bom ou é ruim? A resposta adequada não está numa nem noutra. As duas são possíveis. Depende apenas de qual delas eu quer-se utilizar. Se o objetivo for prestigiar o raciocínio, a elaboração de estratégias e o trabalho em equipe, então o jogo do xadrez é muito bom. Porém, se lançarmos o olhar sobre a parte agressiva, dominação, eliminação, matança e guerra então, talvez o jogo de xadrez não seja tão bom assim. Da mesma forma, segue a lógica para os demais objetos e equipamentos que manipulamos. Todos eles têm aspectos favoráveis e desfavoráveis. A diferença está então em como exploramos esses materiais. Aí entra o papel significador do educador. Ao permitir a criança fazer contato com os mais diversos instrumentos e objetos, faz-se necessário estar refletindo com ela a respeito do seu uso adequado. Os objetos não são bons nem ruins por si só. Eles adquirem o conceito de bons e ruis dependendo do uso que fazemos deles. Um lápis é um instrumento muito eficiente na elaboração da escrita. Porém, ele pode transformar-se numa arma se for utilizado para furar o colega.
Enfim, precisamos compreender que o processo educativo constitui-se de uma natureza muito complexa em que a ação educativa da família e da escola, contribuem apenas com parte dos estímulos que irão agir na formação global dos nossos filhos/alunos.


7. DIFICULDADES NATURAIS DAS CRIANÇAS
A relação entre educador e educando precisa ser dimensionada de forma a considerar as limitações naturais das crianças. Muitas vezes cobramos atitudes ou respostas dos alunos como se eles já fossem adultos. Ou exigimos um rigor exacerbado na postura disciplinar que vai longe da disciplina interior praticada pelo próprio educador. Deve haver um equilíbrio entre o que é cobrado dos filhos/alunos e o que é vivido pelo educador. O exemplo, neste caso, tem um efeito muito forte e persuasivo. A postura do tipo “faça o que eu digo e não faça o que eu faço” constitui-se numa experiência de resultados muito negativos. Também precisamos respeitar o direito de errar da criança. O erro faz parte na natureza humana. Tanto isso é verdade que a máxima “errar é humano” já se encontra cristalizada como uma característica do homem. Não podemos deixar de considerar isso quando estamos na função de educador. Entre as diversas dificuldades naturais das crianças vamos apontar, nesta reflexão, apenas três linhas de abordagens, que são: 1) Atributo da responsabilidade; 2) Aspectos relacionais. 3} Aspectos emocionais.
7.1 ATRIBUTO RESPONSABILIDADE
Quando chamamos uma criança de irresponsável estamos, na verdade, afirmando o que ela tem de mais comum. Os alunos durante a travessia das fases pueril e juvenil encontram-se num estágio de criatividade irresponsável. Isso quer dizer que eles são muito criativos, mas não têm muita noção e preocupação com a responsabilidade. São comuns, nesse período, os esquecimentos. Esquecem facilmente coisas que são da responsabilidade deles, tais como: dar recados aos pais encaminhados pela escola; Trazer para a escola materiais necessários para o uso do dia; entre outros. Torna-se muito comum ouvir a seguinte resposta: “Esqueci!”. Diante das manifestações de irresponsabilidade entra o papel fundamental do educador: Aproveitar a oportunidade para educar. Como? Refletindo com a criança/aluno sobre o compromisso não cumprido, pactuando novo momento para o seu cumprimento e definir as conseqüências. Se compreendemos por responsabilidade como sendo a habilidade de dar respostas aos problemas que se apresentam em nosso cotidiano, então temos que admitir, também, que essa habilidade de dar respostas não é inata. Ela precisa ser adquirida através do exercício da experimentação, onde o erro e o acerto fazem parte do mesmo jogo. O trabalho educativo deve visar a predominância dos acertos em detrimento do erros.
7.2 ASPECTOS RELACIONAIS
Aprender a conviver é, às vezes, muito mais difícil do que aprender um conteúdo qualquer. Aprender a conviver nem sempre segue uma lógica entre teoria e prática. São muito comuns as situações em que as pessoas são capazes de descrever, sabiamente, a teoria da convivência sadia. Porém, quando partem para a prática mostram um caos relacional repleto de conflitos. As crianças e adolescentes nas suas caminhadas para a vida adulta, experimentam da via dolorosa que os impulsiona à capacidade de conviver harmoniosamente no meio social. Precisam, nessa travessia, aprender a romper as barreiras do egocentrismo e incorporar hábitos e práticas de partilhar solidariamente.
Essa travessia nem sempre é fácil. As manifestações de dificuldades relacionais precisam ser transformadas pelos educadores em oportunidades privilegiadas para educar. Nos momentos de carências e de dificuldades, as reflexões de cunho educativo tendem a ser melhor assimiladas, desde que bem conduzidas. Nesse sentido o erro pode ser aproveitado para uma reflexão rica e transformadora. “É na dificuldade que se criam as oportunidades”. Esta frase, de autoria desconhecida, trás um ensinamento profundo para ser utilizado diante das dificuldades relacionais. Na medida em que a pessoa vai experimentando as relações, vai sendo afetada por elas e, por conseguinte, sai diferente do que entrou.
As relações de convivência, por exemplo, sejam na escola, na família ou em outros meios sociais, estabelecem as oportunidades para se atingir um estar junto mais equilibrado. Cada conflito, atrito e cada divergência é um momento privilegiado para uma lapidação das arestas obtusas que causam as feridas relacionais.
7.3 ASPECTOS EMOCIONAIS
O amadurecimento e o equilíbrio emocional são aspectos que atingimos com grande dificuldade. Gerenciar as emoções e sentimentos não é tarefa fácil. As crianças e os adolescentes tendem a ser muito verdadeiros quando se trata de demonstrar as emoções. Costumam passar com facilidade de um estado de choro para uma situação de alegria e vice-versa. Em segundos, conseguem transformar amor em ódio e assim por diante. Fazem isso com tanta facilidade que costumam deixar os adultos falando sozinhos. São comuns as cenas em que duas crianças brigam, batem-se, esbofeteiam-se, xingam-se, etc. Numa primeira olhada, percebe-se a expressão evidente de ódio entre os dois brigões. Aí, nesse quadro, entra o adulto para restabelecer a paz entre eles. Muitas vezes não dá nem tempo para o adulto entender as razões da agressão e, eles, já estão de bem prontos para voltar a brincar. Isso revela o quanto, os alunos, processam rapidamente as emoções e tendem a vivê-las num realismo muito profundo. Quando choram parece que “o mundo veio abaixo”. Quando se sentem desamparados não têm a menor dificuldade de demonstrar o medo ou o pânico, e assim por diante.
Sobre este quadro de carências naturais das crianças é que a ação educadora vai agir. Essa ação precisa ser dosada de acordo com as circunstâncias e deve encontrar no diálogo reflexivo a estratégia privilegiada para fazer as mediações necessárias. Muitas vezes, percebem-se cenas em que o educador deixa-se contagiar com a instabilidade das crianças e desequilibra-se também, transformando o momento numa tragédia relacional em que o perdedor é o próprio educador.



6. ESTILOS DE PRÁTICAS EDUCACIONAIS
Em termos de estilos educacionais percebe-se que há um conjunto muito variado de práticas. Essa diversidade é encontrada tanto nas relações entre pais e filhos, como também nas relações entre professor e aluno. Parece que cada família e cada professor criaram um jeito próprio de trabalhar as relações educacionais com os filhos/alunos. Quando temos muita diversidade, temos, por conseguinte, pouca unidade. Neste aspecto podemos começar a estabelecer uma linha de compreensão sobre o universo de realidades díspares que encontramos no contexto de uma escola. Sendo os alunos oriundos de estilos de práticas educacionais diferentes, oriundos de âmbitos sócio-culturais diferentes, oriundos de realidades econômicas diferentes, fica mais fácil compreender as diferenças no modo de agir, diferenças no modo de pensar e diferenças no conjunto de valores com os quais nos defrontamos nas salas de aula.
Fazendo-se uma análise entre os diversos estilos educacionais praticados atualmente, podemos agrupá-los em três categorias: 1) Estilo autoritário; 2) Estilo permissivo; 3) Estilo democrático.
8.1 ESTILO AUTORITARIO
São educadores que possuem como característica fundamental a rigidez, a pouca afetividade, são pouco comunicativos e muito controladores. Essa forma de agir pode trazer, como conseqüências favoráveis, a obediência, a organização e um apurado senso de responsabilidade. Por outro lado, esse tipo de relação educadora, tende a criar as condições para o surgimento de um conjunto significativo de aspectos desfavoráveis, tais como: timidez, apreensão, baixa autonomia, baixa auto-estima e valores morais pouco interiorizados.
Fazendo-se uma análise entre os prós e contras do estilo educacional autoritário, podemos verificar que os aspectos desfavoráveis não são o que poderíamos desejar para uma educação equilibrada que leve em consideração a formação de pessoas livres e criativas.
ESTILO PERMISSIVO
São educadores que têm como característica a valorização do diálogo, aceitam as opiniões das crianças, usam de tolerância sem limites e não se preocupam muito de controlar as crianças. Com este estilo educacional, criam-se as condições favoráveis para o surgimento de crianças alegres, com alta disposição e muito comunicativos. Por outro lado, abre-se, também, o caminho para surgirem crianças com comportamentos impulsivos, imaturos, com dificuldade de assumir responsabilidades e uma flagrante demonstração de falta de limites.
Num balanço entre os aspectos positivos e negativos do estilo educacional em que se privilegia a permissividade, pode-se verificar que as conseqüências desfavoráveis criam um conjunto de atitudes que dificultam as crianças assumirem a vida de forma autônoma e responsável. Além do mais, a falta de limites torna a relação entre as crianças e os adultos, às vezes, insuportável.
8.3 ESTILO DEMOCRÁTICO
Este modelo de prática educacional tem como característica o seguinte: Alto nível de comunicação; Afetividade; Estímulo às crianças para emitir opiniões sobre determinados assuntos; estabelecimentos de regras e limites claros e restrições com justificativas. Nessa relação educativa favorece-se o surgimento do autocontrole, boa auto-estima, capacidade de tomar iniciativas, autonomia e valores morais interiorizados. Quando este estilo é praticado em sua plenitude, não há conseqüências negativas. A relação entre educador e educando é pautada pelo respeito mútuo. Nessas condições temos um quadro mais equilibrado e gerador de um ambiente sadio para a educação frutificar em todas as suas nuâncias.



9. PÉROLAS PARA UMA CONVIVÊNCIA SADIA
Saber conviver não é uma coisa fácil. A convivência requer a renúncia da primazia do “eu” para uma relação partilhada em que deve prevalecer o uso do “nós”. Nenhuma relação interpessoal é sadia e durável quando ocorre a dominação opressiva de um sobre o outro. As relações desse tipo têm a sua durabilidade limitada até o aparecimento de uma oportunidade para o lado sufocado libertar-se. Muitas vezes essas relações podem durar uma vida inteira, sustentadas por uma dependência econômica ou outros interesses, carências ou necessidades que levam a uma aceitação resignada da dominação do outro. Cabe ressalvar que na relação de convivência em que haja a responsabilidade da dependência faz-se necessário uma “reserva de autoridade”, por parte do mantenedor, para gerir os interesses de ambos. Exemplo: Pais e filhos menores.
Saber conviver não é algo que não nasce conosco. Precisa ser aprendido. O homem nasce solitário e segue em seu desenvolvimento infantil carregado de um apurado senso de egoísmo e egocentrismo. Na medida em que vai crescendo, vai também, descobrindo o outro e estabelecendo com esse outro as relações de convivência. Gradualmente, a criança vai aprendendo a partilhar, a ser solidária, a ser cooperativa e vai descobrindo que ela não consegue viver só. Ou seja, vai descobrindo o que os porcos-espinhos descobriram, conforme narra a fábula, a seguir transcrita, de autoria desconhecida:
A FÁBULA DOS PORCOS-ESPINHOS
“Durante uma era glacial muitos animais morriam por causa do frio. Os porcos-espinhos percebendo essa situação resolveram juntar-se em grupos. Assim, agasalhavam-se e protegiam-se mutuamente.
Mas, os espinhos de cada um, feriam os companheiros mais próximos, justamente os que forneciam calor. E, por isso, tornaram a se afastar uns dos outros. Voltaram a morrer congelados e, assim, se viram na iminência de fazer uma escolha:
Desapareceria a espécie da face da terra, ou,
Aceitariam os espinhos do semelhante.
Com sabedoria, decidiram então a voltar a ficar juntos. Aprenderam a conviver com as pequenas feridas que uma relação muito próxima podia causar, já que o mais importante era o calor do outro.
Assim sendo, sobreviveram!”
(Autor desconhecido)

Percebe-se na fábula acima que, graças à sabedoria dos porcos-espinhos de aceitarem os espinhos do semelhante, eles sobreviveram. Nós, seres humanos, não somos porcos-espinhos. Mas temos muitos “espinhos” com os quais cutucamos e ferimos as pessoas mais próximas. Por outro lado, também não conseguimos sobreviver sozinho, afastado da convivência social. Vivemos, portanto, num determinismo social no qual, a exemplo dos porcos-espinhos, não temos escolha: Ou aprendemos a conviver ou morreremos.
A convivência, para ser sadia, precisa ser conduzida através de um conjunto de posturas que precisam ser reciprocamente partilhadas. São muito variadas as fórmulas dos pactos que regram as relações de convivência entre as pessoas. Porém, existem algumas que não podem ser prescindidas numa convivência sadia. São elas: 1 Ações integradas; .2 Respeitar para ser respeitado; 3 Uso do diálogo; 4 Ser Justo; 5 Ser firme, jamais grosseiro; 6 Ser tolerante, porém conseqüente; 7 Ser perseverante; 8 Não impor, mas compor; 9 Amor exigente.
Por entendermos que elas sejam imprescindíveis é que as denominamos de “Pérolas para uma Convivência Sadia”. Na seqüência vamos refletir sobre cada uma dessas pérolas, focalizando-as dentro de uma perspectiva educacional.

9.1 AÇÕES INTEGRADAS
Quando falamos em ações integradas estamos querendo falar da cooperação que precisa existir entre as pessoas que partilham os trabalhos relacionados à educação dos filhos/alunos.
Começando na família, já que é ali que se inicia o processo educacional, é extremamente importante que os pais tenham uma linguagem, uma postura, uma linha, uma direção ou posturas integradas quando se trata da educação dos filhos. Costuma-se dizer que na casa em que o pai diz “A”, a mãe diz “B”, o filho tende a dizer “C”. Ou seja: cada um age de forma autônoma e ninguém se entende sobre o melhor caminho a ser seguido. As conseqüências deste tipo de relacionamento doméstico tendem a ser catastróficas para a educação dos filhos. Quando os filhos percebem que o pai tem uma opinião e a mãe tem outra, é comum ocorrer a migração do filho para a opinião do pai ou para a opinião de mãe, dependendo os interesses pessoais que estiverem em jogo. Quando for favorável para o filho concordar com o pai ele está com o pai. Mas quando a opinião da mãe lhe for mais vantajosa, ele corre para a mãe. Em via de regra esta postura deixa os pais em conflito.
Os pais precisam definir em conjunto as estratégias que adotarão na educação dos filhos e segui-las. As divergências devem ser discutidas entre eles, sem a presença dos filhos. Quando forem dirigir-se aos filhos devem usar as expressões: “Nós” – “Eu e seu pai” - “Eu e sua mãe” - “O seu pai e sua mãe”, etc. Sempre dando a entender que a decisão foi tomada em conjunto. Expressões do tipo: “Eu deixaria você ir ao shopping com seus amigos, mas o seu pai é contra” “Eu dar-lhe-ia uma bicicleta de presente, mas a sua mãe não quer”, etc, são muito ruins quando utilizados pelos pais. Elas sempre deixam um na situação de carrasco e isso não é sadio.
Um destaque especial precisa ser feito para o caso de pais separados. Quando a separação acontece, em via de regra, os filhos tendem a permanecer com a mãe. O pai passa a ter uma presença mais ausente no que se refere ao dia-a-dia da criança. Vale lembrar que a participação do pai separado na vida do filho não deve restringir-se a contribuição financeira. Os filhos têm a necessidade de contato com o pai, a fim de que ele possa desenvolver plenamente os atributos psicológicos repassados pela figura paterna. Quando os filhos ficam sob a guarda do pai, a mãe também precisa continuar mantendo o contato com os filhos, para que eles possam estruturar-se psicologicamente com a figura materna. Uma pergunta poderia ser feita agora. E quando os pais morrem, o que acontece? A morte é uma perda muita significativa para a vida das pessoas. Quando ela acontece, após, passado o sofrimento da perda, a vida dos que ficaram começa a se restabelecer e se reorganizar sem mais a presença do pai ou da mãe ou de ambos. Embora não ser uma coisa fácil, a reestruturação da vida após uma perda significativa, ela vai ocorrer naturalmente, com uma grande diferença. A separação motivada pela morte dá-se por uma causalidade que não cria nos filhos o sentimento de rejeição, ciúme, raiva, inveja ou de abandono. Já a separação, quando ela não for bem conduzida, pode gerar esse tipo de sentimento, cujas conseqüências são prejudiciais ao pleno desenvolvimento dos filhos, com reflexos sobre a auto-estima, por exemplo. Com a morte dos pais, os filhos órfãos tendem a aceitar com mais naturalidade a presença de um pai ou de uma mãe adotiva, que irá fornecer-lhes as configurações mentais da paternidade e da maternidade. Por essa razão, sob a ótica educacional, faz-se necessário que fique compreendido que numa separação deve ocorrer somente a separação entre o marido e a esposa. Os pais não se separaram. O contrato social do casamento se desfaz. Porém, ambos continuaram sendo os pais dos filhos que geraram enquanto estavam juntos e, perante a sociedade, ambos mantém a responsabilidade pela educação deles.
Saindo da esfera da família, quando os filhos começam a freqüentar a escola, torna-se necessário que a família e a escola tenham uma afinidade de ação. Neste aspecto é importante que os pais busquem o máximo de informações a respeito da atuação da escola, a fim de se certificarem que ela dará continuidade nos princípios e valores praticados em casa. O relacionamento entre os pais e a escola deve seguir os mesmos princípios descritos acima referentes aos pais. Ou seja: as divergências que surgirem devem ser discutidas e solucionadas entre a escola e os pais, sem a presença dos filhos/alunos. Depois que as divergências estiverem dirimidas, as soluções pactuadas devem ser seguidas por ambas as partes. Escola e família devem ser parceiras quando se trata da educação dos filhos/alunos. Estabelecem uma relação de complementaridade, já que se vinculam de forma recíproca em que uma precisa da outra. Quando esta relação for pontilhada por divergências e conflitos recorrentes, o melhor que pode ser feito, neste caso, é o rompimento da parceria.
O texto a seguir, cujo teor já foi objeto de publicação, reflete sobre a importância de a escola e família estarem juntas na condução dos afazeres educacionais das crianças.
FAMÍLIA E ESCOLA – UMA PARCERIA NECESSÁRIA
A educação de crianças e adolescentes é uma tarefa que se inicia em casa, tendo no pai e na mãe seus primeiros agentes. Não só por responsabilidade, mas também por amor e por desejarem o melhor para os filhos, os pais dão início ao processo educacional através de ensinamentos que constituem os elementos básicos das primeiras necessidades da criança. Ela aprende a andar, aprende a falar, aprende a comer e aprende a se relacionar com as pessoas da sua convivência. Tudo isso acontece com a assistência e supervisão dos pais atentos e zelosos para que nenhum incidente de grande monta venha a colocar em risco a integridade física e emocional da criança.
O tempo passa, o filho vai crescendo e é chegada a hora de ele ir à escola. Inicia-se aí uma nova etapa na vida da família. Se antes os pais tinham uma relativa exclusividade do processo educacional, agora, ele é algo que precisa ser partilhado com os novos agentes educacionais que começam a fazer parte da vida da criança - os Professores. Na medida em que ela cresce e vai externando as suas vontades próprias e, na medida em que mais pessoas começam a participar da vida social do educando, cresce substancialmente a necessidade de haver uma integração entre estes diversos âmbitos.
A família e a Escola são instituições sociais que trabalham diretamente com a questão educacional da pessoa. São, na verdade agentes que devem integrar-se em objetivos e estratégias para que o resultado possa ser produtivo. Essa integração deve, porém, respeitar as especificidades funcionais que caracterizam a atuação de ambas. É uma parceria que se faz necessária. Em contrário, se família e escola caminham em direções opostas, não se entendem, não partilham, não se complementam, não se ouvem e não se suportam, os resultados dessa desunião afetam diretamente a qualidade do processo educacional dos filhos/alunos.
A família e a escola precisam sentar juntas, lado a lado e vislumbrar o mundo ideal para o qual pretendem encaminhar o filho/aluno. Essa sintonia, além de necessária, tem o poder de gerar uma sinergia em que ambas as partes sairão fortalecidas. É sabido que a educação é um processo que envolve mãos que extrapolam os âmbitos da família e da escola. Porém, cabe a elas a responsabilidade de direcionar e colocar os limites necessários na caminhada do aluno/filho, a fim de ele que possa constituir-se de forma sólida, prodigiosa, eticamente equilibrada e agente de transformação social.

No interior da escola, também, faz-se necessário que as pessoas que nela trabalham tenham uma linha de ação integrada. As esferas que constituem a escola – Mantenedora, Direção, Coordenações, Professores, Funcionários e Alunos – “precisam falar a mesma língua” se quiserem ter êxito na missão de educar. Quanto mais integradas estiverem essas esferas, mais harmônico e equilibrado será o ambiente na escola. Agora, se as divergências e os conflitos estiverem instalados no interior da escola, a qualidade dos resultados fica comprometida. A indisciplina gera indisciplina. Se o aluno perceber que há divergências profundas entre a direção e professores, entre professores e coordenações, fará com que ele também se sinta encorajado a divergir.
Embora as pessoas tenham funções diferentes – direção, coordenação, ensino, secretaria, limpeza, etc – elas precisam agir em conjunto e serem profissionalmente solidárias e cooperativas, pois em contrário o trabalho de todos ficará prejudicado. Genericamente, todas as pessoas que trabalham numa escola são consideradas educadoras e devem cooperar entre si. Neste aspecto, todas as pessoas da escola devem reagir, imediatamente, a qualquer ato de indisciplina que presenciarem. As expressões: “Isso não é comigo” – “Eu estou no meu horário de folga” - “Eu não quero nem saber, pois o meu negócio é dar aula”, etc, são manifestações de falta de comprometimento que a pessoa tem com a totalidade dos aspectos envolvidos na educação. A indisciplina alimenta-se nos vãos da omissão dos educadores. A educação é um processo acumulativo de experiências. Por essa razão, torna-se extremamente importante que, quando o aluno for flagrado com atitudes contrárias ao código de postura da escola, haja uma reação reflexiva sobre o seu ato, a fim de que ele possa constituir-se como pessoa equilibrada e correta. É o que denominamos de oportunidade privilegiada para educar. E, quem deverá iniciar esse processo? Certamente, a primeira pessoa que perceber o aluno em situação indisciplinada. Quando o aluno acolhe a intervenção do educador, corrigindo a sua postura, ou tratando-se de atos de pequena gravidade, desde que não seja reincidente, o educador abre e fecha o processo, sem a necessidade de encaminhamentos para outras instâncias. Em contrário, se o educando não aceitar a intervenção do educador, ou se for um reincidente contumaz em atos indisciplinados, faz-se necessário o seu encaminhamento para o serviço de orientação disciplinar da escola.
Por fim, em se tratando de atitudes integradas, faz-se necessário existir uma harmonia entre a escola e a comunidade. Escola e Comunidade formam, na verdade, uma relação de dependência mútua, pois não há escola sem comunidade e toda comunidade precisa de uma escola. Então se a escola nasce em função de uma comunidade, a escola precisa colocar-se a serviço dela. Da mesma forma, se a comunidade cria as condições para surgir a escola, a comunidade precisa interagir com ela a fim de que haja uma ambiência favorável para ambas. (SILVA, 1997).
São muitas as formas de a escola trazer a comunidade para dentro dela. Independentemente das estratégias que forem adotadas para promover a integração entre a escola e a comunidade, é importante que a comunidade se sinta acolhida e respeitada pela escola. Não estamos querendo dizer com isso que os pais devem opinar sobre aspectos que dizem respeito ao que é específico do fazer pedagógico da escola. Essas tarefas requerem uma ação qualificada e devem ficar afetas aos profissionais da educação. Porém, numa escola, nem tudo é de natureza pedagógica. Inúmeras outras atividades fazem parte do cotidiano de uma escola, tais como: administração, contabilidade, manutenção, merenda, eventos, limpeza, segurança, lazer, entre outros. Nestas áreas abre-se um potencial muito grande de possibilidades para estreitar as relações entre a escola e a comunidade.
Atualmente, no contexto urbano, são muito poucos os espaços seguros onde os pais podem encaminhar os filhos com tranqüilidade. Antigamente, a rua, um campinho de futebol perto de casa ou ficar na esquina com os amigos era uma possibilidade real para as pessoas se encontrarem. Hoje, com a violência e as drogas à solta, esses pontos de encontro e de entretenimento tornaram-se muito perigosos. A partir dessa realidade, o espaço escolar pode surgir como uma solução segura para servir de ponto de encontro para as crianças, adolescentes e seus familiares. A maioria das escolas explora o seu espaço/tempo de forma parcial. Nos finais de semana, por exemplo, é comum ver escolas totalmente fechadas. Sem nenhuma atividade. Um espaço/tempo todo ocioso. Quantas atividades poderiam estar sendo desenvolvidas nas escolas durante este espaço/tempo pela comunidade? Talvez com um uso mais intenso da escola pela comunidade poderia vir a reduzir os índices de assaltos e depredações cometidas contra elas.

9.2 RESPEITAR PARA SER RESPEITADO
Nunca se falou tanto em respeito como se fala hoje. Em todos os quadrantes ouvem-se clamores referentes ao respeito, tais como: “temos que respeitar”; “você me respeita”; “respeito às leis”; “respeito ao meio ambiente”; “respeito às pessoas”, etc. Por outro lado, percebe-se, também, que o desrespeito anda solto por aí e pode ser encontrado em todos os lugares. Nessa contradição, parece, que ainda não foi possível superar uma velha e decadente lógica do “faça o que eu digo; mas não faça o que eu faço”. É impossível falar em respeito sem que esteja vinculado a uma prática que corrobora essa fala. Foi-se o tempo em que era possível conseguir o respeito através de atitudes verticalizadas e autoritárias no formato “eu mando e você obedece”. Costuma-se dizer que quem desrespeita o outro está autorizando o outro para também desrespeitá-lo.
Respeitar o outro significa enxergar no outro um outro eu. Ver, em primeiro plano, a pessoa humana e respeitá-la como tal. Esse respeito significa aceitá-la de forma incondicional, sem julgamentos e preconceitos. Isso implica em abandonar os olhares classificatórios e taxativos que muitas vezes somos estimulados a lançar sobre os outros, atendo-nos aos aspectos externos da pessoa, tais como: rico; pobre; preto; branco; alto; baixo; bonito; feio; cheiroso; fedido; asseado; maltrapilho; chefe; subordinado; presidente; subalterno; entre outros.
Na relação educativa a prática do respeito é fundamental para criar um vínculo de credibilidade entre educador e educando. Sem credibilidade, o educador passa a ser uma pessoa não significativa para o educando, o que compromete o processo educativo.
São muito variadas as formas da prática do desrespeito. Vão desde as expressões mais visíveis até as atitudes mais sutis. Para verificar se uma atitude é desrespeitosa ou não, basta inverter a posição das personagens e perguntar: Como eu me sentiria se alguém fizesse isso comigo? Se você receber essa ação e se considerar desrespeitado, então você também desrespeita quando a pratica contra outrem.
O respeito é um atributo exigível na relação de convivência. Todas as pessoas, indistintamente, são merecedoras e têm direito ao respeito. O respeito tem a sua origem assentada em bases racionais e objetivas. A sua presença traz harmonia aos relacionamentos, enquanto que a sua ausência gera conflitos e dissabores.
O desrespeito, em via de regra, revela por parte de quem o pratica, uma certa intenção de superioridade e indiferença em relação ao outro. Ela perde a noção da sua natureza relacional e o sentido do ser para posicionar-se num degrau superior. A reflexão a seguir é ilustrativa para esse fim.
QUEM SOMOS?
Somos apenas o que somos e nada mais
Somos existência física na dimensão do corpo
Somos divindade na extensão da alma
Somos o que somos e nada mais.
O que dizem a nosso respeito não é o que somos
São tão somente opiniões de alguém sobre de nós
Ninguém conhece o todo, nem mesmo eu
O todo pertence ao Arquiteto da Criação.
Mostramos ao mundo uma forma física definida
Mas não é somente isso que somos
Revelamos aos outros retratos da vida
Sem jamais revelar o filme de toda a vivência.
Somos únicos, criados para a vida
Vida sofrida, porém, vida
Por mais que nos falte a consciência
Ela vai acontecendo ao longo da existência.
Quando ela finda, não finda a essência
Continuaremos existindo enquanto história
Vida que se refaz vida através da memória
Seremos lembrados pelos feitos e glórias
Assim vão-se os séculos de ir e vir
Uns vindo, outros indo
Uns rindo, outros chorando
Uns amando, outros odiando
Uns sendo, outros tendo
Uns pedindo, outros dando
Uns construindo, outros demolindo
Uns nascendo, outros morrendo
E, em tudo isso, apesar disso, para além disso,
Somos apenas o que somos e nada mais.
9.3 USO DO DIÁLOGO
O diálogo reflexivo deve ser o instrumento privilegiado que o educador deve usar em sua ação educadora. O diálogo não pode ser confundido com monólogo. O educando precisa ser ouvido. Ele precisa expressar-se. Uma técnica que dá bons resultados é pedir para que o educando fale sobre o seu ato desregrado. A postura de ouvidor, por parte do educador, deixando o filho/aluno com a palavra é muito educativa. Muitas vezes, ao refletir sobre o ato indisciplinado, a própria pessoa chega a conclusão de que errou e já sinaliza a sua disposição de mudar de atitude. Neste caso, basta ao educador externar a sua concordância e checar para ver se o compromisso assumido pelo educando irá ser cumprido.
Algumas condições precisam estar presentes para que o diálogo possa ser produtivo: 1. Estar num ambiente reservado, sem platéia; 2. Não estar abalado emocionalmente; 3. Um respeitar a fala do outro. Com estes elementos presentes, o ato educativo tende a ser construtivo, pois permite uma relação em que os dois saem ganhando. Esta estratégia evita, também, as rupturas e as incompatibilidades entre o educador e o educando, cujas situações, quando ocorrem, são extremamente prejudiciais.
Após concluída a etapa da escuta, o educador habilidoso aproveita os próprios elementos da narrativa do educando para fazer as ponderações necessárias sobre as causas e efeitos do ato indisciplinado, assim como também as conseqüências que irão acontecer em caso de reincidência.
O diálogo deve ser objetivo e não necessariamente muito extenso. As preleções muito prolixas tendem a provocar cansaço e desinteresse no educando. A conversa deve manter-se circunscrita ao ato indisciplinado. Nada de generalizações extremadas do tipo: “Você não presta” – “Você não vale nada” - “Você não tem jeito” - “Com estas atitudes você não chegará a lugar nenhum”, etc. Não devemos esquecer que estamos querendo corrigir apenas um aspecto determinado da conduta do educando. As pessoas não são boas nem más num sentido intrínseco. Elas apresentam atitudes boas ou más dependendo do momento e as circunstâncias em que estão inseridas. E, quando formos trabalhar um aspecto específico na criança devemos ater-nos somente a ele.
Enfim, também, não podemos esquecer de olhar o aluno/filho como um ser em formação, em construção, ainda imperfeito, ou ainda, no sentido etimológico da palavra, sem luz, (Aluno = A-lúmen = Sem luz), ao qual não poderá ser negado o direito de errar. Evidentemente não queremos, com isso, fazer uma apologia ao erro. Devemos aprender a aceitar o erro e aproveitá-lo para redimensionar as nossas ações. A indisciplina pode ser configurada, nestes termos, como uma atitude errônea, cujo momento deve ser transformado em uma oportunidade privilegiada para educar. Fazer o educando refletir sobre os seu atos equivocados é, por si só, já um impulso em direção de sua transformação. Ao perceber e compreender os mecanismos pelas quais foi impulsionado para praticar o ato indisciplinado, estará aprendendo a gerenciar as emoções nos momentos de tensão. (CURY, 2000).
9.4 SER JUSTO
A pratica da justiça no processo educacional é uma das condições mais relevantes, embora a sua execução seja uma tarefa muito complicada. Muitas vezes o educador precisa desempenhar o papel de um verdadeiro juiz, como se estivessem num tribunal. Isso implica em sentenciar um e absolver outro. Ou, ainda, trazer à razão o envolvimento e a participação de cada parte no conflito, para então distribuir de forma equilibrada as penas ou as absolvições. Quando essas questões são resolvidas de forma apressada, arbitrária e parcial o educador corre o risco de ser injusto em suas conclusões e aplicar corretivos excessivos para uns e brandos demais para outros. Atitudes injustas praticadas por parte do educador prejudicam a sua credibilidade.
Não se deve ter pressa para formular as sentenças finais para as pessoas envolvidas no conflito. O importante é seguir de uma forma criteriosa em busca das informações que vão esclarecer a atuação de cada envolvido. Numa seqüência lógica deve-se seguir os passos de ver, ouvir, analisar para depois julgar. Muitas vezes somos apressados e julgamos sem ter averiguado todos os detalhes dos fatos. Julgamos mal e temos que sair reparando as decisões equivocadas. Uma decisão equivocada compromete o trabalho educativo que está em jogo.
Um questionamento poderia estar passando na cabeça do leitor, neste instante: Que negócio é esse de julgar, sentenciar, absolver, aplicar corretivos, etc? Essa não é uma linguagem muito forte para referir-se a uma relação educativa? Como resposta, num primeiro plano, diria que sim. É certo que, no dia-a-dia, pais e professores não utilizam uma linguagem tão técnica com os educandos. Porém, as atitudes educativas possuem, de forma subjetiva, essa natureza peculiar. São repletas de formulações que se assemelham a sentenças, absolvições, condenações, entre outras. Para equacionar, por exemplo, um problema em que houve uma briga entre dois adolescentes, faz-se necessário agir com essa metodologia para definir a participação de cada um dos envolvidos no problema. Nem sempre o que mais apanha é o mais inocente. Muitas vezes o que mais apanha foi o causador da briga. É óbvio que o outro, ao aceitar a provocação e partir para o revide também não pode ser absolvido.
O ato de dizer um “sim” ou um “não” necessita ser precedido de uma análise, a fim de encontrar as justificativas que fundamentam essa decisão. (TIBA, 1996). É salutar que todo “sim” e todo “não” esteja acompanhado de uma explicação para que o educando possa compreender as razões envolvidas na decisão. Isto não significa querer que o educando goste ou aceite de forma solícita a decisão do educador. Mas, se ele for a mais justa para o caso, terá que ser mantida. É fato que, quanto mais justo e equilibrado for o educador, mais qualitativo será o resultado para o educando.
9.5 SER FIRME, JAMAIS GROSSEIRO
A firmeza no ato educativo dá consistência aos limites e cria uma relação sólida entre o educador e o educando. Infeliz do filho e do aluno quando têm pais e professores que não tenham atitudes firmes nos momentos necessários. A frouxidão é aparentemente bem recebida pelos educandos, pois, em via de regra, vem associada a uma frágil prática de limites e uma permissividade exagerada, deixando-os agirem com liberdade. Este tipo de relação gera, no longo prazo, traços de conduta que alimentam dificuldades relacionais consigo mesmo e com os outros. (TIBA, 1996). Não foram moldados os limites necessários para um relacionamento equilibrado.
Porém, não devemos confundir firmeza com grosseria. A firmeza, como já dito acima, dá direção, dá substância e solidez à relação educativa. A grosseira é destrutiva, pois peca contra os princípios éticos e o respeito que deve haver entre o educador e o educando. Para ter-se uma postura firme não são necessários: grande força física; aumentar o volume da voz; dar socos sobre a mesa; fazer cara feia; etc. Palavrões, xingamentos e outras práticas pejorativas não são expressões de firmeza. Revelam apenas um desequilíbrio, uma descompostura e um descontrole por parte do educador. A firmeza deve estar revestida de ternura, de serenidade e paciência para transmitir de maneira clara e objetiva ao educando os propósitos a serem alcançados. Quanto mais firme, justa e dialogada for a relação educativa, maior será o nível de estímulos positivos que, por sua vez, irão propiciar um clima de convivência mais sadia.
A firmeza também favorece a construção da autoridade. A grosseria é um recurso muito utilizado pelos autoritários. Quando faltam os argumentos utilizam os chavões de travamento e as adjetivações: “Cale a boca”, “Quem manda aqui sou eu”, “Quem é você para falar assim comigo”, “Sua estúpida”, “Seu mal educado”, “Sua ordinária”, etc, etc, etc.
Todo ato indisciplinado precisa ser refletido com a pessoa indisciplinada. É uma oportunidade privilegiada que temos para educar. Refletindo sobre a conduta imprópria, consegue-se estabelecer significações importantes sobre a necessidade de haver uma postura mais cooperativa e sadia nas relações de convivência. A omissão ou a falta dessa reflexão significativa emite um sinal que é decodificado pelo educando como sendo um aval para ele continuar a agir desta maneira. Além do educando, a platéia de infantes afins também estabelece estas conclusões. Por aí, dá para perceber o estrago exponencial causado pela omissão dos educadores.
A firmeza pode ser comparada ao braço direito estendido para o horizonte querendo significar: esta é a direção da nossa caminhada. Vamos alcançar tais e tais pontos. É, também, a linguagem firme e concreta da razão. Por outro lado, o braço esquerdo, ligado ao afeto e a proteção, apalpa e ajuda o educando em sua difícil caminhada. Há também quem o compare a firmeza com a rapadura: é doce, mas também dura.
Ocorrem momentos em que nós educadores somos tomados por ímpetos que podem levar-nos a ter reações destemperadas, furiosas, ou até com vontade de impelir uma agressão descontrolada contra o aluno/filho impertinente, pois ninguém é de ferro. É o caso quando a razão é seqüestrada pela emoção e deixamos nos conduzir pelos sentimentos mais primitivos. Quando isso acontece, precisamos acionar os mecanismos de defesa, antes que seja tarde demais. A estratégia que funciona, desde que seja colocada em prática antes que a desgraça aconteça, é a seguinte: sair do local do conflito e distanciar-se da pessoa litigante. Para onde ir? Quanto tempo ficar afastado? Essas perguntas não têm uma resposta fixa definida. O tempo e o local devem permitir ao educador retomar o seu equilíbrio emocional. Após, retomado o equilíbrio, o educador deve voltar à presença do educando e continuar nas providências educativas que se fizerem necessárias. Esse tempo de afastamento também é muito significativo para o educando. Enquanto o educador recompõe-se trancafiado em algum canto, o educando também pode entrar num processo de reflexão e descobrir o quanto as suas atitudes estavam erradas. Quanto isso acontece, a recomposição entre os dois fica facilitada, pois passada a tempestade o sol poderá voltar a brilhar para os dois. Mas, se por um acaso, tiver sido praticado algum ato de grosseria por parte do educador, a solução é sempre mais difícil. É oportuno lembrar o sábio provérbio chinês que diz: “Se tiveres paciência num momento de raiva, cem dias de pesar evitarás”. Nessa mesma linha remete-nos, também, o pensamento de “Longon”, quando assim se expressa: “ Combater a si mesmo é a mais difícil guerra; triunfar sobre si mesmo é a mais esplêndida vitória”

9.6 SER TOLERANTE, PORÉM CONSEQUENTE
A tolerância é um atributo essencial para a convivência humana. Sem ela nos tornamos rígidos, ríspidos e intragáveis. Quando falamos em tolerância, vem à mente o personagem humorístico do Programa Zorra Total, veiculado pela TV Globo, chamado “Seu Saraiva” com sua Expressão típica “Tolerância Zero”. A convivência requer uma certa dose de renúncia do que “eu” gosto e quero, para uma postura de partilha em que deve prevalecer o que “nós” queremos e gostamos.Porém, não podemos cair numa outra radicalização que é a ditadura de um grupo, impondo as suas vontades sobre outros grupos. Fazendo-se uma análise sobre a prática da intolerância pelo homem, podemos citar várias manifestações, tais como: Intolerância religiosa; Intolerância política; Intolerância étnica; intolerância ideológica; intolerância sócio-econômica, etc.
A postura tolerante, embora seja necessária e sadia, requer, todavia, uma limitação com relação ao uso de tolerância excessiva quando ocorre a repetição de atos indesejados. Isso significa compreender que devemos ser tolerantes, porém não tolerar tudo e sempre. A partir de um determinado limite, faz-se necessário que sejam estabelecidas algumas conseqüências em caso de reincidência do ato desregrado. Seria como dizer ao educando o seguinte: desta vez eu perdôo a sua travessura, mas se por acaso isso acontecer novamente, como conseqüência, você vai ficar sem... (Combinar alguma restrição com o educando).
Quando falamos em conseqüências precisamos ter em mente um conjunto de restrições e penalidades possíveis de serem cumpridas. Muitas vezes os educadores estabelecem conseqüências absurdas e impossíveis de serem executadas. Exemplo: “Eu mato você”, “Eu nunca mais falo como você”, “Eu vou trucidar você ” “Você está perdido comigo”, etc. Essas sentenças são extremante destruidoras de credibilidade entre o educador e o educando. Por elas serem absurdas e impossíveis de serem executadas, o educando começa a estabelecer uma relação de descrença entre o que o educador fala e o que ele precisa realmente fazer. Por essa razão, as conseqüências precisam estar dentro de uma possibilidade real de execução. Exemplo: “Você vai ficar sem a sobremesa”, “Você vai ficar sem ver televisão hoje à noite”, “Você não vai passear com os amigos no shopping, no domingo”, “Você não vai brincar com os colegas durante o recreio”, etc.
Fazendo-se um uso sensato e justo entre as tolerâncias e as conseqüências, a relação educativa ganha uma motricidade própria, que favorece a obtenção de uma consciência autônoma por parte do educando, pois ele vai se tornando capaz de estabelecer os seus próprios limites.
SER PERSEVERANTE
A perseverança é uma virtude que precisa ser exercitada pelos educadores. Na educação não se pode querer resultados imediatos. O processo de construção de um ser humano é lento, longo e continuado. Quando se estabelecem objetivos muito imediatos, normalmente se colhe como resultado a frustração. As atitudes refinadas, assim como também todo o conjunto de comportamentos socialmente desejados, requerem tempo para serem experimentados pelos educandos e, somente depois, interiorizados para fazerem parte do seu modo de agir. Em via de regra essa aprendizagem não ocorre através da teoria. É na prática cotidiana, através dos atritos, conflitos e choques de interesses divergentes, que se lapidam as posturas mais polidas.
A perseverança também é irmã gêmea da paciência. Os educadores necessitam usar de doses astronômicas desse ingrediente chamado paciência para terem sucesso em suas práticas educacionais. Muitas vezes, percebe-se pais e professores que não aceitam a lentidão e modo errante com que agem os filhos/alunos. Querem tudo rápido e perfeito. Que bom se isso fosse possível!Que bom se nós adultos fossemos capazes de fazer todas as coisas de forma rápida e sem erros! Mesmo que isso nos fosse possível não teríamos o direito de cobrar esses atributos dos jovens aprendizes. Isso por uma razão muito simples: ainda são aprendizes!
A repetição é um aspecto que deve prevalecer na relação educativa. Quantas vezes devemos repetir algo para os educandos? Tantas vezes que se fizer necessário. Quanto mais repetitivo, mais consistente fica o resultado. Um casal de namorados apaixonados não se cansa de repetir um para o outro: eu te amo, eu te amo, eu te amo. A repetição, portanto, é a linguagem do amor. Para Içami Tiba, “Um aprendizado eficaz requer coerência, constância e conseqüência”. O texto a seguir pretende ampliar essa concepção:
OS NÚMEROS DA ESCOLARIZAÇÃO
Considerando a educação escolar com início no Jardim I até a 3ª Série do Ensino Médio, temos um total de 14 anos de escolaridade. Se computarmos o número de horas/aulas que o aluno assiste durante este tempo, vamos chegar a um total de 14.600 aulas, aproximadamente. Se calcularmos o número de dias em que o aluno vem à Escola, num calendário de 200 dias letivos, por ano, encontraremos 2.800 dias. Considerando um recreio de 20 minutos, encontramos um total de 933 horas em que o aluno convive com os demais colegas durante os intervalos do lanche. Considerando, ainda, que o tempo antes do início das aulas, assim como também o tempo após término das aulas, também gera momentos de convivência, sem esquecer o tempo do deslocamento até a Escola, temos mais um número incalculável de horas em que o aluno convive com os demais colegas.
Ao longo desse tempo, o aluno faz contato com um “N” número de Educadores; faz um “N ao quadrado” número de avaliações; participa de um “N ao cubo” número de reflexões que, através dos pitos, broncas, orientações, diálogos, olhares, gestos, conselhos e outras interações, vão formando, de forma lenta e gradual, o conjunto de atitudes e valores que irão moldar a sua convivência social.
Toda esta matemática não tem significado nenhum, se olhada meramente sob o prisma quantitativo. O valor do Ser Humano não pode ser mensurado a partir do número de dias, horas ou aulas que assistiu. Apenas sob a ótica qualitativa, que é capaz de dar uma visão sobre os aspectos morais e o conjunto de valores sociais incorporados é que se pode mensurar os resultados e a eficácia desses números.
Embora a quantificação não seja um parâmetro em si para avaliar o grau de educação de uma pessoa, precisamos compreender que é somente através dela que a educação se efetua. As pessoas aprendem através da experimentação, seja ela através do método empírico/dedutivo ou através das percepções intuitivas e subjetivas. Umas aprendem mais rápido do que as outras. Isso explica por que há pessoas que conseguem incorporar aprendizagens com apenas uma única experiência. Outras aprendem com um número pequeno de repetições. Já para outras se faz necessária a repetição exaustiva até que consiga transformar o experimento em uma atitude ou um valor socialmente útil. Para validar o que acima foi exposto, convido a você que teve a oportunidade de ler esta reflexão, para tentar lembrar da sua experiência educacional o seguinte: 1) De quais aulas ainda é capaz de se lembrar? 2) De quais educadores ainda guarda alguma lembrança? 3) Qual foi o ato educativo mais importante e significativo para você? Provavelmente, irá encontrar alguma dificuldade de responder estas perguntas. Isso não quer dizer que as aulas e os professores foram insignificantes ou que não tenhas tido alguma experiência educacional interessante. Todas as aulas a que você assistiu, todos os professores que você teve e todas as experiências educacionais por você vividas estão armazenadas no seu cérebro. Formam aí, junto com os demais estímulos experimentados ao longo da vida, o banco de dados que alimenta a sua subjetividade. Dão forma e consistência ao caráter e definem o seu perfil moral, cuja exteriorização se dá através das atitudes, gestos, maneira de ser, maneira de agir, enfim, formam a sua personalidade.
Disso resulta compreender então que a tarefa dos educadores estejam eles na escola ou fora dela, nada mais é do que produzir momentos em que os educandos sejam levados a experimentar os conteúdos da ação educadora, a fim de que, cada qual, no seu ritmo, da sua maneira, possa se instituir e se construir como Ser Humano. Cabe uma indagação: Quantas vezes devemos repetir a ação educadora a ser incorporada pelo educando? A única resposta possível, creio, seja esta: Tantas vezes quantas se fizer necessária. As pessoas não se educam em um único ato. A educação é fruto de um processo que vai ocorrendo de forma acumulativa na medida em que exercitamos e experimentamos os procedimentos socialmente necessários para uma convivência sadia, equilibrada e justa.
Para concluir, poderíamos dizer que o processo educativo deve, necessariamente, ser balizado pela repetição, pela paciência, pela persistência, pela tolerância, pelo amor exigente, com limites, com respeito, com alteridade, com firmeza, com segurança, com justiça, com diálogo, com honestidade, etc, etc, etc. Agindo desta forma, a matemática da educação resultará em transformações subjetivas no mais profundo sentido de ser de cada um, cuja exteriorização será sentida através da maneira pela qual o indivíduo se resolve no meio social.
NÃO IMPOR, MAS COMPOR.
A relação educativa não é sadia quando ela é imposta de forma unilateral ou pelas vias autoritárias. O estilo autoritário, coercitivo e impositivo cria uma relação de obediência que traz como resultados aquelas características já comentadas anteriormente quando tratávamos do estilo educacional autoritário. Se por um lado, temos alunos/filhos obedientes; por outro, vamos ter pessoas com pouca capacidade de iniciativa e, o que é pior, com as regras morais pouco interiorizadas. Este estilo não é o que devemos desejar se a proposta de educação da família ou da escola estiver objetivada para uma educação integral, libertadora e capaz de formar pessoas de ação autônoma.
A composição é uma estratégia educacional indicada para possibilitar ao educando ir desenvolvendo as potencialidades de partilha e solidariedade. Na medida em que as opções lhe são colocadas de forma clara e objetiva; na medida em que ele participa da formulação de hipóteses e possibilidades de solução aos problemas cotidianos, ele tende a se sentir co-responsável pela decisão final.
Como exemplo de composição segue o relato de um caso que tive a oportunidade de conhecer: um menino de 07 (sete) anos fez uma “arte” que consistiu em quebrar o vidro do carro da família, com um estilingue. Como conseqüência, o próprio filho, autor da façanha, impôs-se uma penalidade que era de ficar sem comer os lanches do Mcdonalds até o final do ano. A proposta foi aceita pelo pai e assim ia-se cumprindo a sentença. Acontece que, passados uns três meses e ainda faltando dois meses para terminar a restrição, o menino foi convidado por um amiguinho da escola para a sua festa de aniversário, que seria comemorada no Mcdonalds. Ao comunicar ao pai que tinha recebido o convite, o próprio filho já foi emendando: é uma pena que eu não vou poder ir a festa né pai, porque eu não posso comer o lanche do Mcdonalds. O pai, comovido com a sinceridade do filho, inicialmente, concordou com ele, porém abriu a possibilidade para uma nova composição. Perguntou ao filho se ele gostaria de ir à festa. A resposta foi afirmativa. O pai pediu então ao filho para ele apresentar três propostas de restrições para que uma delas fosse eleita para liberá-lo da penalidade anterior e possibilitá-lo ir à festinha do amigo. As propostas apresentadas pelo filho foram: 1º - Ficar até o final do mês sem brincar com os amiguinhos do prédio; 2º Ficar até o final do mês sem comer “porcarias”; 3º Ficar uma semana sem tagarelar muito em casa. (Ele era muito falante e às vezes era censurado por isso). A solução encontrada pelo pai e com o aval do filho foi cumprir a penalidade nº 2. (É uma restrição saudável, já que as “porcarias” - balas, chocolates e outras guloseimas – prejudicam a saúde). Dessa forma, o filho foi à festa do amiguinho, feliz da vida e saciou o seu desejo de comer o lanche do Mcdonalds.
O exemplo acima parece ilustrar bem as possibilidades e de usar a composição como estratégia de se colocar restrições, limites e conseqüências ante as travessuras dos filhos/alunos.
9.9 SER AFETIVO E AMAR
O afeto e a linguagem que vem do coração. Não há como fazer frutificar uma relação entre duas pessoas sem o uso desse ingrediente que pode ser comparado ao tempero que dá o sabor ao relacionamento. Ser afetivo é doar-se por inteiro e alimentar com acolhimento, aceitação incondicional, empatia e solidariedade à pessoa humana que há em cada ser. A ação educadora deve ser dirigida contra as atitudes inadequadas da pessoa e não contra a pessoa em si. É uma tarefa não muito fácil de ser praticada. Porém, é imprescindível para fazer prosperar uma relação educativa eficaz.
Quando falamos em amar, faz-se necessário, inicialmente, distinguir de que amor estamos falando. O amor pode ser dividido em duas categorias. Há o amor que tem a sua origem vinculada ao afeto e ao sentimento e faz surgir as paixões. Esse tipo de amor leva as pessoas a desenvolverem a sensação do gostar. Gosto é algo muito íntimo em cada indivíduo e é praticamente impossível de ser colocado de fora para dentro nas pessoas. Gostamos ou não gostamos de algo ou de alguém e não há possibilidades de obrigar-se alguém a gostar de alguém. O máximo que podemos fazer é produzir estímulos para que o gosto se desenvolva dentro da pessoa. Porém, não podemos obrigar. Por essa razão, não é muito correta a atitude de alguns educadores quando se dirigem aos filhos/alunos e dizem: Você tem que gostar do seu colega; Você tem que gostar da professora, etc, etc, etc. A atitude correta é ensinar que, mesmo o educando não gostando do colega ou da professora, ele é obrigado a respeitá-los. O respeito é um atributo que tem como origem a razão e não a emoção. Por isso ele pode e deve ser exigido nas relações sociais.
Há, porém, um outro tipo de amor que não tem a sua origem centrada na emoção. Por essa razão, esse tipo de amor não é sentimento. Ele funda-se em bases racionais. Segundo o que nos ensina a psicologia moderna, esse amor é uma decisão racional, consciente e voluntária de uma pessoa querer o bem de outra pessoa e trabalhar em prol dessa causa. A partir desse conceito, fica compreensível a atitude das pessoas que estabelecem como objetivo de vida trabalhar de forma incessante em benefício dos desvalidos, por exemplo. Elas elegeram como objetivo de vida dedicar-se à produção do bem para os outros.
O amor pregado pelo Mestre dos Mestres – Jesus Cristo – tem como fundamento esse tipo de amor, conforme já mencionado na introdução dessa obra. Na relação educativa, devemos, portanto, usar o amor de querer o bem dos educandos. Trabalhar incessantemente para que o filho/aluno possa crescer e se desenvolver para o bem. O alvo da nossa perplexidade e indignação deve centrar-se tão somente nas atitudes desregradas do educando. Às vezes somos levados, equivocadamente, a condenar a pessoa por inteira, ao invés de condenar somente a atitude indisciplinada. Não há pessoas más; não há pessoas que não valem nada, conforme costumeiramente ouvimos por aí. O que há, isto sim, são pessoas que têm atitudes más ou que não valem nada. Mesmo assim esse julgamento ainda está carregado de um juízo moral que é, muitas vezes, a expressão de uma visão única influenciada pelas circunstâncias.
Quando começamos a olhar a realidade com outras lentes é possível enxergá-la com múltiplas formas, cores, detalhes e matizes que antes estavam ofuscadas pela cegueira conceitual. Um exemplo disso pode ser colhido no cotidiano da escola no que se refere ao recreio. Não são raros os educadores que olham para o momento do recreio e desenvolvem uma espécie de torpor interior, pois o barulho, a correria, a gritaria, os agitos, os conflitos e atritos lhes incomodam. Todos esses aspectos citados anteriormente como: barulho, correria, gritaria, agitos, conflitos e atritos têm presença garantida, creio, nos recreios de todas as escolas. Ao nosso ver, seria preocupante caso isso não acontecessem. Essas demonstrações fazem parte da natureza dos ávidos infantes e toda essa movimentação é muito sadia e educativa, basta que a escola aproveite esse momento para fazer as mediações necessárias com os alunos durante o recreio Em meio a essa agitação é possível extrair uma síntese melhor, como a que segue:
RECREIO
Ao toque do sinal, ouve-se uma alegria ruidosa
Uns correm, alguns caminham, outros vagueiam
A agitação é geral, pois ,agora, a hora é prazerosa
São momentos de valor que muita vida permeiam.
No pátio, uma alegria incontida, como não vista antes
Ouve-se um misto de sons e tons qual relva crepitante
Denunciando a euforia vivida pelos ávidos infantes
Gerando vida partilhada, mesmo que por um instante.
Percebe-se uma movimentação com um quê singular
Corre-corre, pula-pula, gritos e conversas são comuns
Brincadeiras, jogos e folguedos têm presença regular
Perturbações, também se vê, em detrimento de alguns.
Mas a alegria chega ao fim, é chegada a hora do sinal
É preciso retornar à sala para mais umas aulas assistir
Não há corre-corre e a volta dura mais do que o normal
A atividade discente parece ser um ônus pesado de gerir
Porém, temos que entender que na vida nem tudo é folia
O trabalho é ocupação que também deve nos entreter
Pois com ele produzimos os meios para a mordomia
Ambos igualmente necessários para o sustento do ser.



10. CONCLUSÃO
Chegamos ao final dessa reflexão. Espero que o(a) leitor(a) tenha tido a possibilidade de reconstruir paradigmas ou ratificar modos de ação que já vinha tendo. A grande descoberta ao longo de mais de duas décadas de educador é de que, trabalhar na educação é uma atividade muito prazerosa, desafiadora e gratificante. Prazerosa, porque permite estar em contato permanente com outras pessoas. Desafiadora, porque cada pessoa e cada momento têm a sua singularidade peculiar. Não há modelos que podem ser utilizados indistintamente. Gratificante, porque torna possível interagir com a mais fantástica e maravilhosa engenhoca existente: o cérebro humano. O educador que consegue ser significativo para o educando está ajudando a construir e a desenvolver as suas potencialidades. Isso me parece, simplesmente, fantástico!
Quais são os mecanismos e estratégias possíveis para enfrentar o problema da indisciplina? Numa primeira resposta e de forma bem abrangente, diríamos que este é um dos desafios da educação. Quais os caminhos possíveis de serem trilhados para minimizar os conflitos e perturbações no contexto escolar?
Aí reside o campo de prova dos diversos métodos recomendados pelas Ciências da Educação.
A disciplina precisa ser adquirida e aprendida, haja vista o homem não nascer com ela. É o exercício da convivência que constitui o grande laboratório onde são moldadas as posturas mais refinadas na relação com o outro, seja no campo cognitivo, psicológico, emocional e afetivo.
Com essa mudança de paradigma, os educadores precisam refazer as suas estratégias de interação com os filhos/alunos. Os objetivos da prática pedagógica precisam contemplar estratégias que atendam todo o espectro de carências do aluno, tais como: carência de conhecimentos, carências afetivas, carências emocionais, carências psicológicas, entre outras. O conjunto de dificuldades dos alunos é muito amplo. Os alunos têm dificuldade de aprender, dificuldade de conviver, dificuldade de administrar as emoções, dificuldade de administrar perdas e contrariedades, etc.
Tudo isto implica em enxergar o aluno/filho como um ser em formação, em construção, ainda imperfeito, ao qual não poderá ser negado o direito de errar.
A regra de ouro nos ensina que jamais devemos nos render ante o erro ou o insucesso do filho ou aluno. A indisciplina cria uma oportunidade privilegiada para fazer florescer a educação. O educador não deve ver o aluno/filho como um adversário. Um oponente! Um rival! Ambos devem ser parceiros de um jogo em que o adversário é a ignorância e as posturas pouco refinadas. (AQUINO, 1996). Diante de cada manifestação de atos inadequados, o educador deverá agir no sentido de restabelecer o equilíbrio das relações pactuadas. O diálogo deve ser o instrumento principal para mediar os conflitos, atritos e perturbações. A tolerância conseqüente é um recurso que produz bons resultados na solução de atos indisciplinados, pois criam um vínculo de cumplicidade entre o educador e educando.
A perseverança e a firmeza de propósitos terão que nortear a ação até que os objetivos sejam alcançados. Trata-se de uma luta diuturna do certo contra o errado, cujo resultado final necessita manifestar a prevalência do primeiro.
Este trabalho para dar certo e surtir os efeitos desejados, necessita do engajamento da família e escola. A escola terá um grande êxito na diminuição dos atos de indisciplina, se houver o envolvimento e a participação de toda a comunidade escolar (Mantenedora, Direção, Professores, Funcionários, Pais e Alunos). Todas as relações que envolvem a comunidade escolar devem ser mediadas por princípios democráticos. Somente através da legitimação da comunidade escolar, seremos democráticos e conseguiremos estabelecer uma convivência eticamente ajustada capaz de produzir frutos também eticamente ajustados. Podemos invocar, nessa ação, o princípio que diz: o todo é sempre maior do que a parte! Disso decorre compreender que, quando o todo (comunidade escolar) estabelece e/ou legitima o código de conduta, nenhuma parte deverá se sentir maior ou mais forte para invocar a desobrigação de cumpri-lo. Da noção exata dos limites e da administração justa, equilibrada, pronta e imparcial das normas, é que nasce a consciência dos valores éticos e morais.
Cabe, ainda, antes de concluir, a menção de que o primordial nessa ralação é a postura equilibrada e justa do educador. Em todos os momentos, o educador deve buscar agir com serenidade, tranqüilidade, amor, sem ódio, sem gritos, sem rancor, sem agressividade, sem ofensas, a fim de que o educando possa aprender a respeitá-lo e confiar no apurado senso de justiça, lealdade e honestidade de seu mestre. É o educador visto como autoridade e possuidor de uma reserva moral, cuja fonte inesgotável irá saciar a sede de educação dos alunos.
Desta feita, percebe-se que a educação constitui-se num processo que, numa crescente e cumulativa evolução, vai formando e construindo consciências acerca do universo complexo em que o ser humano encontra-se inserido e necessita interagir. Esse longo e penoso caminho constitui-se, por excelência, a via pela qual alcançamos a humanidade, cujo ápice se efetiva quando somos capazes de reconhecer a alteridade. Ver no outro um outro Eu é a mais alta manifestação de consciência humana. Esta deve ser uma das utopias do educador. E, para terminar, devemos compreender que o processo educativo é semelhante a água e a rocha. A água transforma a rocha. A rocha ganha novas formas e a água mais substâncias.
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AQUINO, J. G. Indisciplina na Escola - Alternativas Teóricas e Práticas. 7ª Ed. Summus Editorial, 1996.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil - 1988.
CURY, A. A Pior Prisão Mundo – Superando o Cárcere da Emoção. 7ª Ed. Academia de inteligência, 2000.
________. Treinando a Emoção para ser Feliz. Academia de Inteligência, SP.
_________. Análise da Inteligência de Cristo. Academia de Inteligência, SP.
GIKOVATE, G. A Arte de Educar. Posigraf.
HOUEL, A.; GODEFROY, C. Como Lidar com Pessoas Difíceis - Guia Prático para Melhorar seus Relacionamentos. Madras, 1999.
MIRANDA, M. L. Quem tem medo de escutar – Guia da Sabedoria. CEAP, 2002.
____________. Quem tem medo de ver – Guia do Observador. Editora Crescer, 1999.
____________. Construindo a Relação de Ajuda. 2ª Ed. Editora Crescer, 2002.
PARREIRA, V. L. C.; MARTURANO, E. M. Como ajudar seu filho na escola. 2ª Ed. São Paulo: Editora Ave Maria, 1999.
Revista de Educação da AEC nº 103 de abril/junho de 1997.
SOUZA, P. N. P.; SILVA, E. B. Como Entender e Aplicar a Nova LDB. Pioneira Educação, 1997.
TIBA, I. Disciplina - Limite na medida certa. 32ª Ed. Editora Gente, 1996.
________. O Executivo e sua Família. 4ª Ed. Editora Infinito, 1998.
ZAGURI, T. Limites Sem Traumas. 10ª Ed. Record, 2001.
________. Educar Sem Culpa. 16ª Ed. Record, 2000.
12 APÊNDICES
Seguem, abaixo, um conjunto de reflexões do autor acerca de questões relacionadas a natureza humana e outras composições que deseja partilhar com o (a) leitor (a).
12.1
IR E VIR
No bailar da vida as pessoas vão e vêm. De tantas idas e vindas acabam esquecendo onde já estiveram. Saem de um lugar para chegar a outro. Todo ponto de chegada também é um ponto de partida. Há movimentos regulares que se repetem: casa X escola; escola X casa; casa X trabalho; trabalho X casa; sala X cozinha; cozinha X sala; sala X quarto; quarto X cama; cama X banheiro; banheiro X chuveiro. Assim segue o pêndulo em seus caminhos. Também têm inúmeros movimentos não previstos, não programados, que nos levam e trazem a lugares inesperados. De tantos que são, não vou aqui enumerá-los. Pensem um pouco e irão descobrir que eles existem. Dou uma dica: ir à janela para olhar o horizonte, etc, etc, etc. Ah! ia esquecendo: também têm os movimentos sem volta, ou, ainda, a volta dos que não foram. Parece complicado? Não. Tudo isto acontece sem que nós percebemos, pois faz parte da existência.
Acabamos descobrindo que somos seres em movimento. O universo está em movimento. O cosmos é movimento. Tudo se movimenta. A concepção ocorre de um movimento do espermatozóide em direção ao óvulo. No silêncio do útero protetor da mãe há movimentos. Para nascer nos movimentamos. A vida é movimento. E, quando ela finda, somos movimentados para o lugar do pouso final do corpo. Pouso aparente, pois continuaremos em movimento junto com o astro celeste que gravita pelo espaço sideral sem fim.
Neste ir e vir fazemos muitos movimentos com o corpo: senta X levanta; deita X levanta; estende a mão; mão que afaga; mão que esbofeteia; vira a cabeça; levanta o braço; levanta o dedo; levanta a cabeça, encolhe a barriga, empina o nariz, estufa o peito, levanta o dedo do meio; abaixa o polegar, estica os beiços, franze a testa, arregala os olhos, etc, etc, etc. Esses movimentos, cheios de significados, relevam a nossa natureza social, pois existimos e nos constituímos na relação com os outros.
Além desses movimentos que levam e trazem o nosso corpo, movimentamos outros objetos. Assim carregamos conosco um monte de penduricalhos que ganham movimento graças ao nosso movimento. São sacolas, bolsas, mochilas, malas, anéis, colares, pulseiras, brincos, carteiras, pochetes, documentos e outros apetrechos que carregamos pela vida afora. Todos esses materiais dão consistência à nossa existência. Sem eles, às vezes, perecemos desnudos.
Movimentamos, ainda, a boca para pronunciar as palavras e outros trejeitos labiais que fazem parte da nossa linguagem. Quantos pedidos, justificativas, declarações, afirmações, negações, orações, reclamações, declamações, depoimentos, xingamentos e outras falas que utilizamos em nosso cotidiano? Certamente, não é possível termos a noção da quantidade de movimentos que já fizemos com a boca para expressar os pensamentos, opiniões e emoções. Mas toda a palavra pronunciada tem a sua finalidade. Isso que importa. Somos entes em movimento. Não conseguimos parar. Mesmo parado estamos em movimento. Assim sendo, vou parar de movimentar os meus dedos sobre o teclado e parar de escrever esta reflexão. Porém, continuarei em movimento.
12.2
TEMPO
No 2º tempo do jogo de futebol, o cronista disse que o tempo havia terminado. Porém, o árbitro acrescentou mais um tempo ao jogo, pois por duas vezes, o tempo havia fechado durante a partida. O tempo estava bom, mas entre as torcidas quase fechou o tempo. A polícia interveio e pediu aos brigões para darem um tempo, pois ela não tinha tempo para verificar porque o tempo havia fechado. Neste instante começou a ocorrer uma mudança no tempo passando de bom para nublado.
O Cronista já havia terminado o seu tempo e pegou o carro com motor de quatro tempos para ir até a igreja rezar, já que estávamos no tempo de Páscoa. Pelo caminho ligou o rádio e ouviu um repórter dizer que em São Paulo o tempo estava chuvoso. Ocorreu um contra-tempo pelo trajeto: um pneu furou e teve que perder um tempo para trocá-lo. Enquanto trocava o pneu. lembrou-se da aula de verbos em que tinha que aprender as flexões no tempo, no modo e no gênero. Se tirasse nota baixa o pai fechava o tempo em casa.
Chegando à igreja ouviu uma música sendo cantada. Impressionou-se com a forma correta que o músico executava os tempos e, principalmente, os contra-tempos. Ficou um tempo na igreja e ao sair percebeu que havia mudado o tempo, pois estava chovendo. Um transeunte disse-lhe para dar um tempo já que a chuva era passageira. Quando se deu conta percebeu que havia perdido muito tempo parado. Perguntou a um guarda se em tempos idos o tempo também era tão instável. Ele respondeu-lhe que naqueles tempos o tempo era pior ainda. Quando fechava o tempo custava a limpar.
Já meio sem tempo ainda perguntou se o local ali era tranqüilo. O guarda disse que de quando em vez o tempo fecha. Saiu dali indagando-se sobre o tempo. Qual o melhor tempo? Após refletir um pouco descobriu que o melhor tempo é o tempo que o tempo tem. Basta dar um tempo ao tempo e tudo se resolve a tempo. Pô meu! Me dá um tempo! Pare de encher o saco com esse tempo. Deixa o tempo em paz. Em tempo: Você tem tempo?
12.3
VOCÊ TEM TEMPO?
1) O Gerente liga para você e diz que precisa da sua presença no banco para avaliar o desempenho da sua carteira de investimentos, pois o mercado está sinalizando forte tendência de prejuízo se você não mudar as aplicações.
Geralmente, todos atendem ao convite rapidamente.
2) Você está no trabalho e recebe um telefonema do seu vizinho que lhe diz que a sua casa está sendo assaltada e que os ladrões estão levando os bens mais valiosos.
Certamente, você irá correndo até a sua casa.
3) O seu filho adoece e você recebe o diagnóstico médico dizendo que ele precisa urgentemente de um tratamento para corrigir uma disfunção metabólica de natureza organogástrica, que, se não for corrigida, acarretará no óbito da criança.
Certamente, você fará o tratamento urgentemente.
4) A Escola liga e convida você para uma conversa a respeito do desempenho cognitivo e disciplinar do seu filho, cujos resultados, se não forem corrigidos acarretarão na possível reprovação e/ou na aplicação de penalidades regimentais cabíveis, com vistas a corrigir as graves disfunções no processo educacional do filho.
Nem todos os pais atendem ao convite.
Diante desta realidade cabe indagar. Qual é o patrimônio mais importante para os pais? Por que a educação dos filhos é às vezes “relegada a um segundo plano?” Por que alguns pais costumam dizer que não têm tempo para ir à escola? Será que o bem maior desses pais não deveria estar centrado nos filhos?
Por essas e outras podemos supor que estamos vivendo momentos de uma grande inversão de valores. Aquilo que deveria ser a preocupação primeira dos pais, muitas vezes, é a última. O resultado disso, em parte, justifica o contexto atual pela qual passa a humanidade – Carência de humanidade e apego exagerado aos bens materiais. Você, que está lendo estas linhas. Tens tempo?
12.4
APOCALIPSE
Chegará o dia em que o homem, de tanto desrespeitar as leis da natureza, será chamado a pagar o tributo pelo uso irracional de sua racionalidade.
Antes do ocaso final, ele terá a oportunidade de contemplar, do alto do seu pedestal, os sinais dos tempos.
1. Verá desaparecer de sua face, lentamente, toda a biodiversidade:
- Espécies de animais e vegetais são extintas pela sua ação devastadora.
- Os passarinhos deixam de cantar.
- As flores não florescem mais nos jardins e campinas.
- Os peixes já não encontram mais ambiente para viver.
- As folhas caíram e já não brotam mais.
- Os répteis, de todos os tamanhos, já fazem parte da história.
- As ervas daninhas já não perturbam mais o homem. Ele as venceu.
- As pragas já não destroem mais as plantações. Não há mais plantações.
- O perfume das flores já não anuncia mais a chegada da primavera.
2. Assistirá à degradação do meio ambiente:
- O ar, a água, o solo já não sustentam mais a vida.
- Os desertos avançam pelo horizonte.
- As nascentes e arroios vertem suas últimas lágrimas.
- A suave brisa refrescante transformou-se em tórrida massa de ar escaldante e poluída.
- O solo, outrora prodigioso sustentáculo de vida, agora, apenas recolhe como túmulo a vida remanescente sobre ele.
- A energia vital do astro rei chega à terra de forma difusa, sem ser filtrada pelo manto atmosférico que envolve e protege a vida.
- Os grandes rios morreram. Foram transformados em canais de escoamento de lixo.
- As grandes jazidas já foram totalmente exauridas.
- As catástrofes fazem parte das cenas cotidianas.
- Enfim, a mãe natureza não consegue mais sustentar a voracidade e a ganância do homem.
3. Contemplará, atônito, o desmanche do tecido social que une a humanidade:
- Os valores e as virtudes fundamentais já não encontram mais eco nas relações entre as pessoas.
- O infortúnio espalha-se por toda a terra.
- Não há vencidos nem vencedores. Todos sucumbirão ante à irracionalidade do “ser racional”.
- Haverá fome e desgraça em todos os quadrantes.
- A vida está indefesa.
4. Suplicará a Deus a sua remissão final:
- Vendo tudo perdido, apelará para o último dos refúgios.
- Deus misericordioso de bondade infinita, tende piedade desse ser que perante ti falhou.
- Do fundo de nossas almas confessamos os pecados que praticamos contra a tua obra.
- Embora tardio, agora compreendo os teus desígnios. Ao Criar o mundo o dotaste de todas as riquezas. Era o paraíso.
- Nele colocaste o homem e a mulher. Tinham tudo para serem felizes.
- Mas ao longo dos séculos, impelidos pelas suas vaidades e ganâncias, o homem foi se afastando e modificando a natureza, a destruiu e hoje ela não consegue mais sustentar a vida.
- Se for da tua vontade e bondade, ó Deus eterno, ceda-nos um novo paraíso, a fim de que possamos nos redimir das atrocidades cometidas.
5. Ouvirá de Deus a sentença final
- Deus, em sua infinita e eterna misericórdia, vendo o desespero do homem, lhe revelará o juízo final.
- Meu filho querido. Ao longo dos tempos enviei-te diversos mensageiros para mostrar os desvios dos teus atos. Não deste ouvidos.
- Quando te criei, dotei-te de liberdade para escolher o melhor caminho a seguir.
- Incuti em ti a centelha do amor, da generosidade, da solidariedade, da bondade, da gratidão, do respeito, do companheirismo, da lealdade, da honestidade. Preferiste cultivar o egoísmo, o ódio, a inveja, a avareza, a soberba, a mentira, a ganância, a maldade e até brincavas de Deus.
- Com esses atos, pobre homem, pecastes contra ti mesmo, pois és imagem e semelhança do teu pai e nada mais há por ser feito. Está tudo consumado.
12.5
INEXORÁVEL SINA
A toda hora, ao longo de um meridiano das horas,
uma multidão se levanta para mais um dia que se inicia.
A toda hora, ao longo de outro meridiano das horas,
uma multidão se deita para repousar da jornada que se finda.
Não importa se estás de pé ou deitado.
Conforta-te, pois passadas algumas horas, estarás do outro lado.
Deita, levanta
deita, levanta
deita, levanta
levanta, deita
levanta, deita
levanta, deita.
Assim, seguirás tua sina até o último deitar do teu corpo.
Enquanto a alma, essa levantará para contemplar a eterna dimensão celestial, impulsionada pelas virtudes que foste capaz de experimentar.
12.6
ETERNA NATUREZA
Não importa a forma e a beleza
Sempre será natureza.
Se aos olhos agrada? Isso não diz nada.
Será sempre natureza indomada.
Deserto ou pomar; geleira ou campina;
Solo ou rocha; vida ou ruína.
Não importa o que nos convém
Natureza serás eternamente, amém.
Quando respeitada;
Sustenta vidas de toda sorte.
Quando detratada;
Chama-as de volta com a morte.
De mãe és chamada
por ser o seio da biodiversidade.
Generosa, bela e inconstante
Recrias-te a cada instante.
Dádiva do criador, por amor, foste gerada,
natureza de contornos vastos, uma infinidade.
Quando tratada de forma errante
Recobras teu quinhão com vigor pujante.
Não leves em conta se o homem te devastar.
Isso o afeta, com certeza.
Será a vítima e tua sina há de continuar
Sendo sempre a eterna natureza.

12.7
DIFERENTE
Caso tudo fosse diferente não existiria mundo como o atual.
Pedra não seria pedra, seria algo desigual.
Água não seria água, seria matéria tal.
Eu não seria eu, talvez fosse qual?.
Eu!!! Outro???
Nem pensar.
Gosto de ser eu.
Ainda bem que tudo é como é:
grandezas criadas e recriadas formando entes,
mantendo a identidade impar dos fenômenos presentes
sem o risco de tudo ser transformado em naturezas diferentes.
12.8
A REVOLTA DA BIOSFERA
Esta abordagem tem como finalidade levar o leitor a uma reflexão a respeito da atuação do homem sobre a terra, enquanto ser biológico que depende de vários fatores ambientais para que possa sobreviver. A evolução da espécie humana sobre a terra, se comparada com a idade da terra ou com outras espécies de animais e vegetais, tem um surgimento recente, talvez um milhão de anos, o que é pouco perante a idade da terra que se especula ser algo próximo de duas dezenas bilhões de anos. Antes do surgimento da espécie humana, a terra já era habitada por uma grande quantidade de espécies de animais e vegetais que formavam a biosfera, cuja origem estima-se ter ocorrido na Era Paleozóica, a mais ou menos seiscentos milhões de anos atrás.
Percebe-se, claramente, na cronologia acima que o homem foi um dos últimos inquilinos a instalar-se nesta nave voadora que transita pelo espaço sideral, impulsionada pela energia gravitacional que mantém unido todo o universo. Apesar de ser um dos últimos, é espantoso o estrago que o homem vem causando ao equilíbrio ecológico. Este estrago ganhou dimensão exponencial a partir do Século XIX, com as grandes descobertas e invenções tecnológicas. Hoje crescem cada vez mais as evidências de que a Terra não suportará, infinitamente, a escalada de agressões ou transformações que o homem vem causando ao meio ambiente. A enorme necessidade do homem contemporâneo de recursos naturais, que são diariamente retirados da natureza para se transformarem em matérias-primas, cujo produto final sustenta o atual modelo socioeconômico da civilização tecnológica, consumista, levará a Terra a grandes transformações físicas, onde os serem vivos – homem, animais e vegetais – vão pagar um preço muito elevado por essa insanidade.
A Revolta da Biosfera pretende trazer um pouco de razão a esta ação irracional praticada pelo homem. Essa irracionalidade está manifestada na incapacidade de perceber que, sem o conjunto de animais e vegetais que compõem a biosfera, a sobrevivência do animal homem também está ameaçada. Somos, portanto, também uma espécie ameaçada de extinção. Não por algum motivo de ordem catastrófica repentina, como se supõem ter ocorrido com os dinossauros com a queda de um meteoro, mas sim, pela degradação dos elementos constitutivos essenciais à manutenção da vida humana na terra, levados a efeito pelo próprio homem. Enfim, seremos vítimas da nossa própria insensatez.
Temos que encontrar mecanismos e meios de vivência que respeitam e levam em consideração toda a cadeia biológica da terra, sejam animais ou vegetais, bactérias ou elefantes, cobras ou lagartos, carnaúbas ou castanheiras, pois é exatamente da interdependência de todos estes elementos vivos que manteremos as condições de sobrevivência do homem.
Nessa linha seria natural e compreensível, se fosse possível, haver uma revolta de todos os serem vivos – animais e vegetais – contra o bicho homem, já que estes estão há muito mais tempo. Por essa razão, já que a revolta da biosfera é praticamente improvável, poderia a biologia humana revoltar-se e tratar de dar soluções adequadas aos seguintes pontos:
Avaliar as ações do gênero humano na terra no tocante a degradação da natureza;
Identificar e firmar estratégias com vistas a frear a ação de devastação da espécie humana, antes que todo o planeta seja destruído;
Elaborar um projeto de constituição planetária que garanta e estabeleça as condições de sobrevivência e de interdependência entre todas as espécies de animais e vegetais da terra.
Este tipo de indisciplina praticada pela raça humana, se não for corrigida a tempo, cobrará um preço muito elevado de vidas de animais e vegetais, em que o bicho homem também se torna o seu próprio algoz.

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